Ciência Hoje – UOL – Por: Vera Rita da Costa – Publicado em 29/10/2013
Dois novos livros de pesquisadores brasileiros podem auxiliar professores do ensino médio a ministrar a disciplina de modo prazeroso. A motivação surge de temas de interesse dos alunos.
Ensinar física para adolescentes é um desafio e tanto, e começa pela motivação. Como despertar a curiosidade dos jovens para as questões propostas pela física? Uma estratégia adequada é valer-se de temas de seu interesse para, com base neles, apresentar os conteúdos desejáveis e que estejam direta ou indiretamente relacionados a eles.
Com essa ideia em mente, selecionamos dois livros recém-lançados no país para divulgar e comentar aqui. Eles merecem a atenção dos professores de física, principalmente porque podem, como apoios didáticos importantes, ajudá-los na tarefa de ensinar a disciplina de modo prazeroso, em um contexto que seja significativo para os estudantes e facilitador para ambas as partes envolvidas na aprendizagem.
Um dos livros em questão é O automóvel na visão da física, de Regina Pinto Carvalho e Juan Carlos Horta Gutiérrez, professores e pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O outro é A ciência dos videogames, de Adriano A. Natale, professor e pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Em O automóvel na visão da física são apresentadas informações sobre a estrutura e o funcionamento dos carros – do chassi, da carroceria e do motor. O mais interessante, no entanto, encontra-se na forma como é feita essa apresentação: sensíveis às questões e dificuldades envolvidas no ensino de física, os autores apresentam informações relevantes e até detalhadas, mas o fazem de forma simples e buscando relacioná-las aos conceitos centrais que constam no currículo do ensino médio. Torna-se, portanto, extremamente fácil para o professor extrair do livro informações que sirvam como ilustração e exemplos de aplicações do que se busca ensinar.
Além disso, o livro inclui atividades – como calcular o tempo de reação de uma pessoa, a massa e o peso de um carro, ou definir o melhor posicionamento dos espelhos com base na observação da reflexão da luz –, todas facilmente reproduzíveis em aula e relacionadas a importantes questões, como, por exemplo, a da segurança na condução de veículos.
- No livro ‘O automóvel na visão da física’, informações sobre a estrutura e o funcionamento dos carros são relacionadas aos conceitos físicos centrais que constam no currículo do ensino médio. (foto: Wikimedia Commons – CC BY-SA 3.0)
Há, ainda, um mérito que não pode deixar de ser mencionado: o livro foi proposto e executado em um padrão gráfico de cores identificáveis para a maior parte dos daltônicos. Ou seja, trata-se de uma importante iniciativa, talvez a única voltada ao ensino no Brasil em que há preocupação com esse quesito. De brinde, portanto, a apresentação do livro aos alunos serve também à discussão e conscientização sobre odaltonismo – característica genética que atinge 8% dos homens e aproximadamente 1% das mulheres na população brasileira.
Jogos para aprender
A ciência dos videogames também é uma fonte riquíssima de informação e de questões que podem servir para motivar alunos em sala de aula. Além disso, assim como o livro anterior, foi escrito em linguagem simples e muito acessível, não só a professores, mas a todo aquele que tenha curiosidade em conhecer mais sobre a história e os princípios físicos que regem os video games.
Um aspecto que chama a atenção é a desmistificação que sua leitura provoca na ideia de complexidade que temos do video game. Como leigos, tendemos a ver aparelhos como o video game como caixas-pretas, sofisticadas e complexas. O próprio console do aparelho, fechado, nos induz a isso.
Ao ler o livro e sermos apresentados à história de seu desenvolvimento, no entanto, essa concepção muda: ficamos sabendo que o princípio por trás dos video games é simples. Trata-se do mesmo conceito que se encontra nos osciloscópios (instrumentos eletrônicos que servem para medir diferença de potencial) e na televisão, ou seja, no registro em tela de cargas elétricas ou elétrons em movimento. Além disso, é possível aprender que a chave da aparente sofisticação de um video game está em sua programação, isto é, na previsão, no controle e na determinação da quantidade e do deslocamento das cargas e das correntes elétricas.
- A leitura do livro ‘A ciência dos videogames’ desmistifica a ideia de complexidade associada a esses jogos eletrônicos. (foto: Evan-Amos/ Wikimedia Commons – CC BY-SA 3.0)
Programar um jogo com muitas alternativas e com imagens cheias de detalhes é um “trabalho enorme”, como nos explica o autor, mas é também compensador: um únicogame, como o Pokémon da Nintendo, levou seis anos de trabalho árduo para ser desenvolvido e apenas a metade desse tempo para faturar seus 10 primeiros bilhões de dólares. E aí, em dados como esse, talvez esteja a chave de mais uma importante discussão a ser feita com os alunos: a relação entre ciência, tecnologia e consumo.
Objetos de desejo
Embora os livros destaquem principalmente os aspectos científicos e tecnológicos envolvidos no desenvolvimento de carros e video games, não é possível escapar da ideia de que tanto uns quanto outros são objetos de desejo, sobretudo dos jovens. São também alimentadores de duas das indústrias mais rentáveis da atualidade, e o lucro que delas se obtém depende diretamente do estímulo ao consumo que se faz, sobretudo, via propaganda.
Há, portanto, questões relacionadas ao uso e à aplicação do conhecimento físico, bem como ao nosso papel de consumidores (conscientes ou não) das tecnologias geradas a partir dele e aos custos e benefícios envolvidos com esse consumo, que devem ser objeto de reflexão por parte dos alunos.
Não é demais relembrar aos estudantes que o conhecimento científico é, de fato, poderoso e tem várias aplicações possíveis. Foi com base no conhecimento da física – da mecânica, do eletromagnetismo, da termologia e da ótica, entre outras disciplinas – que se conseguiu produzir os carros e os games, tão desejados atualmente. A mais importante aplicação do conhecimento científico, no entanto, nem sempre é lembrada: se encontra em seu uso como ferramenta crítica, como instrumento para pensar e agir em um mundo em constante transformação tecnológica.