Para tirar dúvidas, crianças preferem Google aos pais
OCIMARA BALMANT – Folha de São Paulo – 23/09/2012
Nem professor nem pai nem mãe nem parente algum. Quando os alunos têm dúvidas, o campeão de audiência e de credibilidade é o Google. A constatação é de uma pesquisa realizada por um instituto britânico que ouviu 500 crianças com idades entre 6 e 15 anos. Do total de entrevistados, 54% preferem consultar o buscador quanto precisam checar alguma informação.
E as descobertas não pararam por aí: mais de um terço (34%) das crianças não acredita que seus pais sejam capazes de ajudá-las a fazer o dever de casa; 14% não acham seus pais inteligentes.
Isso se deve, além da popularização da internet, a outras duas razões, avalia a psicóloga Natércia Tiba: a menor disponibilidade dos pais e a tendência imediatista das novas gerações.
De modo geral, pai e mãe estão no mercado de trabalho, logo não estão tão à disposição. Soma-se isso ao fato de essas crianças crescerem num ambiente em que tudo é fornecido muito rápido e está explicada a popularidade do Google. Quem é que vai querer olhar no índice de uma enciclopédia?
De fato, a pesquisa mostrou que, imersos no mundo tecnológico, grande parte desses estudantes também passa bem longe dos materiais impressos de consulta: 19% deles não sabem o que é um dicionário impresso e 45% nunca usaram uma enciclopédia. Aliás, desconhecem até o significado do termo. Numa tentativa de adivinhar o que seria uma enciclopédia, as respostas foram de meios de transporte a instrumento cirúrgico.
A pesquisa, como se imagina, não vale só para a Grã-Bretanha. Unanimidade mundial, o site de buscas também é a página inicial de muitas crianças brasileiras. É o caso de Carlos Alberto Koji Kamei Ohara, de 10 anos.
Aluno do 5.º ano do ensino fundamental no Colégio Santa Maria, há três anos ele usa o Google todos os dias para fazer a tarefa de casa. Aos 8 anos, eu aprendi a pesquisar. E me ajuda muito, principalmente em português, história e geografia. E não sou só eu que gosto. Todos os meus amigos também usam, diz.
Mas sem o truque do ctrl-C, ctrl-V. O garoto explica que, para cada tema que precisa estudar, lê o conteúdo de pelo menos dois ou três links e depois reescreve com suas próprias palavras. Mas dá para confiar nas informações? Quase sempre.
Alerta. Essa pequena margem de desconfiança ele adquiriu nas aulas de biblioteca. Praticamente uma disciplina vintage, o conteúdo entrou no currículo exatamente para não deixar que a geração Y se esqueça dos métodos tradicionais de pesquisa. Eles passeiam, visitam os corredores, aprendem como funciona uma biblioteca escolar, explica Cláudia Regina de Freitas, responsável pelas aulas quinzenais dos alunos do infantil ao 5.º ano, no Colégio Santa Maria.
Nos primeiros encontros, a afirmação dos alunos é inevitável: Mas o Google é mais rápido. É nesse momento que Cláudia aplica uma gincana: propõe um tema e divide a turma ao meio: metade pesquisa no Google e a outra parte se dedica aos livros. No fim, muitos percebem que a enciclopédia tem informações mais completas, mais fotos. Com isso, não queremos que abandonem a internet, mas que não tenham resistência aos livros.
O resultado da pesquisa sinaliza uma mudança sem volta de paradigma e não comporta resistência, mas sim adaptação, avalia Priscila Gonsales, diretora do Instituto Educadigital. Em vez de negar, precisamos partir do pressuposto de que o Google é um repositório, mas a inteligência é de quem está pesquisando.
Com base disso, explica, é preciso que essa educação digital siga três diretrizes: ensinar o aluno a pesquisar, a se comunicar e a publicar na rede. No que se refere à pesquisa, os alunos precisam ser orientados a diferenciar e avaliar a procedência do domínio – se é ponto org, ponto com ou ponto gov – e sempre indicar a fonte de onde a informação foi retirada.
Contribuição. A comunicação deve ser estimulada como forma de troca de aprendizagens. Por meio da internet, os alunos podem desenvolver um projeto em parceria com estudantes de outras escolas.
Por fim, é importante que crianças e adolescentes aprendam a publicar, e isso não significa apenas o domínio das ferramentas técnicas, mas a responsabilidade envolvida na produção e divulgação de conteúdo.
Com isso, o professor não precisa mesmo ter todas as respostas, só precisa orientar corretamente, conclui Priscila.