Eles poderiam considerar que o trabalho que estavam fazendo em sistema escolar já era bom o suficiente. Afinal, a rede pública da província canadense de Colúmbia Britânica, que atende a quase 90% das crianças e jovens em idade escolar, ou 580 mil alunos, não fazia feio: era uma das mais bem sucedidas nos indicadores educacionais de um país já consolidado como um dos melhores do mundo no quesito educação. Mas, apesar dos bons resultados oficiais, alguma coisa não estava boa ainda. “Começamos a nos perguntar: será que estamos mesmo preparando nossos alunos para a vida?”, contou Rodderick Allen, superindente de aprendizado e resultados da Secretaria de Educação.
Diante desse incômodo, eles resolveram agir e há três anos começaram a estruturar o plano de modernização da educação pública de Colúmbia Britânica baseado em 5 pontos: personalização, ensino e aprendizagem de qualidade, flexibilidade e escolha, rigor e ensino empoderado pela tecnologia. Agora, a rede está no centro de um processo de mudança que está acontecendo de dentro para fora. “Todo mundo tem um papel quando se resolve modernizar um sistema educacional inteiro. Começamos com rodas de conversa informais com professores, diretores, cidadãos para saber o que eles queriam para a educação da província”, afirnou Allen.
Personalização e flexibilidade
E todos queriam mais ou menos a mesma coisa. Que os alunos tivessem, além de habilidades linguísticas e matemáticas, a capacidade de resolver problemas, de pensar criticamente, que fossem criativos e, com isso, estivessem preparados para a vida como ela é. O governo fez então um chamado para que os professores do próprio sistema ajudassem a mudar o currículo, tornando-o mais personalizado e capaz de desenvolver essas habilidades.
“Hoje temos um problema sério. Os professores têm que se preocupar tanto em cumprir o currículo obrigatório que não têm tempo para personalizar o ensino”, afirmou o superintendente, que está somando esforços para fazer com que a grade curricular se torne mais flexível. Isso quer dizer que, em vez de os alunos do sétimo ano terem de saber todas as características específicas da Roma Antiga, pode ser mais proveitoso tentar fazê-los reflitir sobre como as antigas civilizações impactaram as sociedades ocidentais de hoje, exemplifica Allen. “Queremos menos disciplinas, só que com mais profundidade”, afirmou.
Na província, cada um dos 60 distritos tem a autonomia de tomar algumas decisões. Assim, o governo traça diretrizes, mas é localmente que se decide se essa flexibilidade virá com espaço específico no currículo para tratar de habilidades não cognitivas ou se essas habilidades serão trabalhadas mais transversalmente. De todo modo, outra aposta da província está no estímulo à adoção do aprendizado baseado em projetos, que permite que os alunos trabalhem transdisicplinarmente com várias temas ao mesmo tempo.
Mais uma forma de estimular que as novas competências sejam desenvolvidas é apoiar o conhecimento adquirido fora da escola. Mesmo por conta dos esforços de personalização do ensino, os alunos serão instigados a se dedicarem ao que realmente gostam e, com a ajuda dos professores, buscar referências na comunidade. “Ao ir atrás do que ele realmente gosta, o aluno pode querer ter um mentor que não esteja na escola”, sugere. Além disso, outra forma de valorizar habilidades não tradicionais já acontecem hoje com o acúmulo de pontos nas disciplinas tradicionais por meio de atividades extracurriculares, como as que envolvem artes e esportes. A lista de atividades que podem ser consideradas, adianta o canadense, deve crescer.
Avaliações rigorosas e tecnologia
Ao se mudar o currículo e atribuir-lhe a função de desenvolver habilidades que os sistemas não têm o hábito de medir, cria-se mais uma dificuldade. Como avaliar se o aluno está indo bem nesses que são os novos objetivos do sistema? É por isso que a província como um todo está repensando suas formas de avaliação. “Ainda não sabemos como fazer. O que se sabe é que existem conhecimentos básicos, como habilidade de escrever, ler e de fazer contas, que sempre precisarão ser ensinadas. Para essas, talvez as provas ainda valham”, afirma Allen. No entanto, ele pondera que para as novas competências as provas não servem. São muito mais úteis, aponta o superintendente, atividades como os projetos ou a análise de registros deixados em portfólios digitais. “Vamos tentar uma combinação das duas abordagens”, afirma ele.
Podem ajudar nessa tarefa as tecnologias, que estão sendo trazidas para a província no sentido de “empoderar o aprendizado”, ajudando no feedback imediato de atividades feitas on-line e no acompanhamento do desenvolvimento dos alunos. Como no caso da flexibilização do currículo, são os distritos que escolhem o tipo da tecnologia que será usada e as formas de aplicá-la. É com a ajuda dela que um canal mais frequente está sendo estabelecido com os pais, que recebem informações sobre do desempenho do filho pelo celular.
Professores
Para dar conta das mudanças estruturais que Colúmbia Britânica está propondo, outra grande preocupação é prover momentos de ensino e de aprendizagem mais ricos. Para tanto, o governo abriu um franco diálogo com as nove universidades da região que formam professores para que esses cursos também já estejam atentos às mudanças que o sistema está propondo. “Ser professor hoje é mais difícil do que há dez anos. Aqui, temos professores muito habilidosos e relativamente bem pagos. Mas ainda não estamos atraindo os melhores dos melhores dos melhores”, afirmou Allen, que conta ter buscado referências em sistemas de ponta, como Nova Zelândia, Austrália, Singapura e Finlândia, para entender como eles tratavam o seu professor. “A profissão mais valorizada da Finlândia não é a medicina nem a engenharia. É a docência. Nós queremos isso aqui.”
Dicas para o Brasil
Diante de toda a transformação que tem visto em Colúmbia Britânica, Allen deixa algumas dicas para redes públicas brasileiras interessadas em modernizar seus sistemas. Ele, inclusive, é categórico ao falar da primeira e mais importante delas: “Professores, professores, professores e professores”. Para o canadense, são os educadores os responsáveis por capitanear a mudança de que os sistemas educacionais necessitam.
Em segundo lugar, ele sugere que os brasileiros se voltem para outras modernizações que estão acontecendo em outros lugares do mundo, aprendam com elas, mas que não as copiem. O Brasil, diz ele, tem que encontrar seu próprio modelo. Por último ele diz que, por aqui, as pessoas terão que fazer uma análise muito séria sobre o papel das tecnologias na educação. “É preciso que elas sejam adotadas sempre com uma visão de longo prazo”, completou.
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