Um grupo de municípios brasileiros descobriu que é possível atingir metas e avançar no ensino usando as provas dos alunos como bússola da qualidade. Parece óbvio, mas quase ninguém faz isso
Os últimos termômetros da qualidade do Ensino têm sinalizado um lento, mas persistente, avanço no Brasil. Por isso chamou tanta atenção um novo relatório da ONG Todos Pela Educação, que mede, ano a ano, o progresso na sala de aula de Escolas públicas em todo o território brasileiro. O documento fez soar um alerta: desde 2008 quando a ONG fincou metas para a Educação e passou a vigiá-las de perto, é a primeira vez que se flagrou uma piora — justamente no já tão combalido Ensino médio. Mas houve um grupo que passou ao largo do atoleiro de notas vermelhas, e o fez de forma tão enfática que mereceu destaque em uma lista à parte, à qual VEJA teve acesso. Desse panteão emergiram 161 municípios — os únicos entre os 5500 no país — que cravaram 100% das metas em todas as séries avaliadas desde o marco zero da aferição. Ao contrário do que alguns poderiam supor, seu inesperado sucesso não se deve a um aporte fenomenal de verbas. Em certos casos, vê-se inclusive o oposto: um elevado padrão acadêmico disseminando-se em ambientes muito simples e repletos de precariedades.
O que aproxima esse conjunto de municípios, antes de tudo, é um hábito pouco arraigado na cultura brasileira — o de não descontinuar as políticas para a sala de aula. É algo de valor inestimável na Educação, área em que os resultados levam décadas para aparecer. O grupo dos invictos no novo ranking também vem aplicando com boa dose de disciplina a cartilha da meritocracia, conseguindo rastrear e premiar as Escolas que destoam da média. Isso ajuda a explicar sua proeminência, mas não esclarece tudo. Um dos fatores cruciais para seu bom desempenho passa por uma prática menos visível, que essas redes de Ensino vêm semeando de forma pioneira no Brasil: a de usar o resultado das grandes radiografias do Ensino de forma muito concreta, atacando as deficiências apontadas, em vez de deixá-las restritas ao campo das análises teóricas — como é mais comum. “De diagnósticos, estamos cheios. Falta agora começar a usar esses mapas para efetivamente conduzir as aulas, que no Brasil ainda são muito baseadas em modelos antiquados”, reforça o economista Cláudio de Moura Castro, articulista de VEJA.
O estado que mais emplacou municípios no rol dos 161 em destaque foi Minas Gerais (com 59 representantes na lista), seguido do Ceará (com quinze) — ambos afeitos à ideia de adotar as avaliações como bússola. Em Minas, a secretaria estadual levou adiante uma iniciativa que, por seus princípios e resultados, merece atenção — o Programa de Intervenção Pedagógica. Com base nas avaliações dos Alunos, um grupo de especialistas formula um detalhado relatório para cada Escola, enfatizando os pontos altos e baixos. A partir daí, traça um plano estratégico para enfrentar os gargalos, junto a Professores e diretores. Esse tão aguardado momento do calendário Escolar mineiro ficou conhecido como “dia D”. A equipe que presta essa consultoria também produz cartilhas e manuais e atua na própria sala de aula quando isso se faz necessário. Os avanços recentes são um indício de que o caminho é acertado: a porção de crianças do 3º ano do Ensino fundamental que leem e escrevem como seus colegas de países mais ricos dobrou desde 2007.
Os números trazidos à tona pelo Todos Pela Educação dimensionam o longuíssimo caminho que resta ao Brasil percorrer rumo à excelência mundial. A exceção de uma marginal melhora nas primeiras séries Escolares, nenhuma meta de aprendizado foi alcançada. No Ensino médio, revelou-se que não mais do que 29% dos estudantes detêm o conhecimento desejado da língua portuguesa, o mesmo baixo nível de 2009. A proporção dos que se situam na faixa adequada — isso mesmo, apenas adequada — em matemática é mais acanhada ainda: 10% (resultado pior que o do levantamento anterior, que havia apontado 11 %). Isso significa que os demais 90% ainda ignoram conceitos básicos. Se nada for feito para acelerar o passo, o plano de deixar a rabeira e aproximar-se do patamar dos países mais desenvolvidos até 2022 ficará somente na esfera das boas intenções. “O resultado é contundente. Estamos nos distanciando da meta”, alerta Priscila Cruz, diretora executiva da ONG. Depreender o que há de melhor no exemplo daqueles que conseguiram se destacar da zona da mediocridade pode ser um bom começo para recuperar o tempo perdido e dar o necessário salto de qualidade.