Gazeta do Povo – 19/03/2013 – Publicado em 17/03/2013 | ADRIANA CZELUSNIAK
Especialistas veem com preocupação medida que deve acrescentar 800 horas de formação ao fim da faculdade
Está em estudo no Senado uma proposta de criação de uma residência pedagógica para os futuros docentes da educação infantil e da primeira etapa do ensino fundamental, semelhante à residência médica para estudantes de Medicina. A intenção é proporcionar maior formação, com 800 horas a serem cumpridas depois da graduação e pagamento de bolsa de estudos. A medida faz parte do desafio de reverter o baixo desempenho tanto em avaliações de qualidade do ensino na educação básica como no ensino superior de licenciaturas.
A proposta apresentada na Comissão de Educação no ano passado pelo senador Mario Baggi ainda será avaliada no plenário do Senado antes de seguir para a Câmara dos Deputados.
Exigência atual
Hoje, para atuar na docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental exige-se um mínimo de 300 horas de estágio curricular supervisionado durante a graduação.
Se for instituída a residência pedagógica, serão mais 800 horas de residência após a graduação, com bolsa de estudos.
Há outros meios para melhorar a educação básica
A residência pedagógica pode ser interessante, mas é apenas uma modalidade de estágio, avalia Ângelo Ricardo de Souza, membro do Núcleo de Pesquisa em Políticas Educacionais da UFPR. “A residência contribuiria com a formação profissional, mas outras modalidades também têm virtudes e, por vezes, se articulam melhor à realidade do formando em Pedagogia.”
Para a professora da Unirio Andrea Fetzner, alternativa melhor seria a ampliação de iniciativas como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), que tem um professor pesquisador coordenando um limite de dez estudantes de licenciatura nas escolas públicas. “O professor consegue acompanhar o trabalho dos alunos e há trocas muito interessantes entre os professores e as escolas acompanhadas por eles.”
A simples colocação de estudantes de licenciatura em escolas não garante formação adequada, segundo Andrea, pois enquanto a educação no campo da pesquisa tem propostas inovadoras de mudança, as escolas ainda se mostram muito tradicionais com déficit de propostas pedagógicas contemporâneas.
Mesmo que a aprovação da residência signifique um reforço à formação dos futuros professores com atividades práticas e teóricas, especialistas em educação veem com preocupação a medida. Para o conselheiro da Câmara de Ensino Superior do Conselho Estadual de Educação Arquimedes Maranhão, pedagogo e ex-diretor do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), se a residência pedagógica seguir a linha do estágio supervisionado de hoje, não haverá resultado nenhum.
“Ficaremos no eterno faz de conta. Nosso problema não está na quantidade de horas, mas no preparo. O projeto de lei não chega ao ponto de dizer o que será feito com as 800 horas a mais ou como. É um assunto que ainda não saiu do domínio do Senado e que está sendo levado por pessoas que não têm visão científica do que estão fazendo”, diz.
A falta de diálogo prévio com a população em audiências públicas e com as entidades educacionais também é apontada como falha pela pedagoga e doutora em Educação Leda Scheibe, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Questões como de que forma se daria a intermediação das universidades e a relação com as escolas ainda devem ser respondidas, segundo a especialista.
A doutora em Educação Andrea Rosana Fetzner, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), ressalta que o sucesso da residência também vai depender de fatores como a qualidade da remuneração das bolsas e obrigatoriedade, uma vez que muitos dos formandos já trabalham em escolas durante a faculdade.
Conteúdo
Segundo a doutora em Educação pela UFPR Maísa Pannuti, é preciso definir bem o conteúdo da residência pedagógica. “São mudanças importantes, mas não basta apenas garantir que o futuro professor domine os conteúdos que ensinará. Ele também deve aprender sobre como ensinar, como o aluno aprende, sobre processo de desenvolvimento em geral”, diz Maísa, que é professora dos cursos de Pedagogia em tempo integral da Universidade Positivo.