Portal Aprendiz – Camila Caringe – 04/04/13
A diretora da Fundação SM e ex-secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda, acredita que sem discussão do currículo a escola continuará defasada frente às demandas de um mundo em transformação. “As atividades do contraturno frequentemente aparecem apartadas do conteúdo regular, o que pode gerar mais conflitos do que contribuições.” Para ela, seria preciso organizar uma curadoria local para refletir como projetos pedagógicos de Organizações Não Governamentais (ONGs) dialogam com a dinâmica escolar.
Pilar ainda defende a descentralização do ambiente de ensino, que acaba oferecendo todo o tipo de serviço. “A gente tem que devolver as crianças para a rua, no bom sentido. Podemos e devemos dar um atendimento multidisciplinar, mas não necessariamente dentro da escola. O aluno pode estar no serviço de saúde, por exemplo.”
Pilar entende que a garantia dos direitos da criança e do adolescente não é só papel do poder público. O direito ao alimento, descanso, recreação, educação e convivência familiar é responsabilidade de todos os agentes sociais. “Vejo que ainda causa estranheza em algumas pessoas que não se possa espancar uma criança ou que ela não possa trabalhar.”
Ela afirma que ainda estamos longe de uma situação ideal, mas a infância de agora inaugura uma geração de direitos e deveres. “Não existe uma coisa sem a outra. Se você só tem direito e não tem dever, não exerce efetivamente a cidadania”. De acordo com a ex-secretária, os projetos de educação falam em “formar cidadãos ativos, críticos e conscientes”. “Mas aí a gente chega na escola e esses são os que estão lá na sala da diretora. Isso é democracia: segurar a crítica de um menino de oito anos. É difícil, mas muito enriquecedor.”
O papel da cultura
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informam que pouco mais de 5% dos brasileiros entraram, pelo menos uma vez, em bibliotecas ou museus. Apenas 13% vão ao cinema. A média de leitura no País é de 1,7 livro per capita ao ano. Mais de 90% dos municípios brasileiros não têm cinema, biblioteca, teatro. Nas grandes cidades, os equipamentos culturais estão concentrados nos bairros de classe média e no centro.
“O Brasil disponibilizou sua população para a TV aberta”, reflete o secretário de Cultura de São Paulo e ex-Ministro da Cultura, Juca Ferreira. Para ele, é necessária uma política de Estado para a valorização da atividade e da dimensão cultural na vida das pessoas. “A cultura não pode ser entendida apenas como as artes. Ela é todo o vasto território simbólico de uma comunidade, nação, cidade, que vai de valores e fazeres à gastronomia.”
Por qualificar o lazer e inserir as crianças na sociedade de forma efetiva, o secretário defende que a vivência cultural comece na escola e seja uma meta dos projetos de educação integral. Ele ressalta que o papel das instituições educacionais vai além de preparar seus alunos para o universo do trabalho: devem capacitar pessoas para vivenciarem uma subjetividade complexa.
Segundo Juca Ferreira, as escolas que não dialogam com as culturas locais têm dificuldade para firmar uma relação profunda com o mundo das crianças. Mas essa relação precisa ser mais abrangente e promover o diálogo com a cultura nacional e global. “Nem tudo é produzido localmente e é importante que todos tenham acesso e aprendam o caminho para, durante toda a vida, irem se alimentando e se desenvolvendo culturalmente.”
Nesse modelo, as ONGs desempenham um papel relevante por constituírem grupos de práticas que, muitas vezes, são o principal ou único acesso à experiência estética e cultural de comunidades urbanas, rurais e indígenas. Entre as atividades que promovem estão clube de livro, cinema, música ou dança tradicionais, oficinas de conscientização e debates públicos.
Maria do Pilar Lacerda e Juca Ferreira estiveram presentes no Seminário Educação Integral: Crer e Fazer, em ocasião da 10ª edição do Prêmio Itaú-Unicef, ocorrido nos dias 2 e 3 de abril, em São Paulo.