Terra Educação – 29 de maio de 2014
País é o terceiro em que os estudantes relatam mais ansiedade na disciplina. Métodos de ensino, mitos e pressão familiar estão entre as causas
Quem acha que o medo de matemática é bobagem se engana. É o que rebate o último relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA 2012), divulgado recentemente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entre os brasileiros, o problema parece ser ainda mais comum. O País é o terceiro em relatos de altos níveis de ansiedade ao resolver problemas matemáticos – atrás apenas de Tunísia e Argentina.
No Brasil, 49% dos quase 20 mil alunos consultados, em 837 escolas, confessaram ficar muito tensos ao resolverem problemas – a média, para 510 mil adolescentes de 15 anos de 65 nações que integraram a pesquisa, foi de 31%. E pior: o número se mantém estável desde 2003, ainda que o Brasil apresente o maior avanço no desempenho em matemática desde então. Em nove anos, a pontuação saltou de 356 para 391 – longe ainda da média dos demais membros da OCDE, que é de 494 pontos.
A ansiedade dos alunos brasileiros na disciplina, conforme calcula o estudo, é responsável por uma queda de 34 pontos no exame – o que equivaleria a, aproximadamente, um ano escolar de defasagem. Ou seja, se ela não existisse, os estudantes brasileiros poderiam alcançar 425 pontos na disciplina e ter desempenho 8,7% melhor.
Para Nelson Antonio Pirola, professor de Psicologia da Educação Matemática da Faculdade de Educação da Unesp, um dos fatores que acentuam a ansiedade no aprendizado de matemática é o ensino mecânico, descontextualizado e de memorização de conteúdo que, segundo ele, predomina nas escolas do País. A geometria seria um “assunto fantástico” para se trabalhar com a natureza e as artes. A porcentagem poderia ainda ser ensinada com reportagens sobre juros, por exemplo – onde caberia ao estudante decidir se é mais vantajoso comprar à vista ou em parcelas.
Sem essa diversificação no ensino, o aluno se pergunta por que deve aprender determinados conteúdos e muitas vezes encontra justificativas que não o satisfazem, como “para passar no vestibular” ou “para usar no futuro.” Essas respostas causariam frustração e desmotivariam o estudante para as aulas. “A Matemática passa a ser uma coisa do além”, diz. “Quando se tem confiança para aprender, se diminui o medo.”
Pirola defende que, nessas situações, a melhor resposta é a de que os conteúdos matemáticos desenvolvem o raciocínio lógico, além de constituir uma linguagem comum em todo o mundo e de servir de base para compreender dados da realidade.
Pedro Franco de Sá, diretor do Centro de Ciências e Educação da Universidade Estadual do Pará (UEPA), destaca que, para a psicologia, primeiro se deve mostrar a ação e depois a ideia, durante a atuação pedagógica. No entanto, a inversão dessa ordem nas escolas é frequente, em sua opinião. “Em vez de ensinar o conceito de que o número é divisível por outro quando o resto é zero, é melhor começar pegando exemplos – 15 por 3, 21 por 3, 12 por 3 – e depois introduzir a ideia. Torna todo o aprendizado mais fácil.”
Ansiedade em meio às meninas é reforçada por mito
As explicações para a terceira posição do Brasil no ranking do medo não se restringem ao universo escolar. O País apresenta alfabetização recente, e a incapacidade de apoio dos pais aos estudos dos filhos contribuiria para notas baixas, perda de confiança e ansiedade. Além disso, a família seria responsável por transmitir, mesmo sem querer, o pavor antes das aulas.
“Os pais acabam colocando medo nos filhos com comentários do tipo ‘matemática é difícil’, ou ‘se você não prestar mais atenção nela você não vai conseguir fazer os exercícios’. Antes do contato, os próprios pais despertam o medo”, revela o professor Pirola.
Entre as meninas, o mito de que a matemática é uma disciplina “para homens” contribui para o medo se propagar, de acordo com Márcia Regina Ferreira de Brito, coordenadora do grupo de pesquisa em Psicologia e Educação Matemática da Unicamp. “O que se observa é que elas (as alunas) se culpam mais pelos fracassos nas avaliações, enquanto que os meninos costumam atribuir a nota baixa à ‘prova ruim’ ou ao ‘professor que não explica’”, diz.
Por fim, familiares, colegas e amigos podem reforçar o medo de matemática após resultados individuais negativos dos alunos, afirma Márcia. O fracasso pode vir acompanhado de castigos, pressões e brincadeiras que, por sua vez, induzem à ansiedade em novas avaliações.
Benefícios da leitura impulsionam desempenho em matemática
Além dos testes de matemática, o PISA inclui ainda questões de leitura e ciências. Nessas áreas, os estudantes brasileiros atingiram 410 e 405 pontos, respectivamente. Ambos os valores estão abaixo das médias da OECD, de 496 e 501 pontos.
Não é à toa que as disciplinas são analisadas juntas pela OCDE – as suas interdependências são defendidas por educadores. A eficiência na leitura é necessária para entender corretamente um problema matemático, para então o aluno o resolver. As dificuldades diante da linguagem seriam, portanto, a primeira barreira ao desempenho satisfatório de brasileiros na disciplina.
De Sá reitera, porém, que muitos erros são atribuídos a falhas de leitura e interpretação de enunciados quando, na verdade, o aluno não tem tanta culpa. “Não é só uma questão de leitura. Às vezes, os próprios exercícios não estão adequados com o desenvolvimento dos alunos e grande parte deles não consegue identificar a operação escondida. É uma habilidade que requer tempo para se desenvolver“.
Além da interpretação dos enunciados de questões, “a lógica permeia, sem dúvida, tanto a linguagem materna, quanto a matemática”, destaca o professor. Essa habilidade poderia, então, ser desenvolvida das duas formas: com cálculos ou palavras.
Estudante brasileiro não é preparado para esse tipo de exame
Para Márcia, o despreparo dos estudantes para responderem às questões do PISA contribui para o desempenho brasileiro abaixo do esperado no exame em matemática – 391 pontos. “Eles se acostumam a trabalhar sempre com números inteiros. Aí, no exame, se veem diante de perguntas com estimativas e acabam deixando em branco”, defende.
Da mesma forma, outra prática comum é o trabalho pedagógico com problemas abertos no ensino, ou seja, sem alternativas – o que é “conflitante” com os métodos usados nas provas de larga escala, como o PISA. “Em outros países, essa preparação é mais forte. Os alunos regulam seu próprio estudo, desde pequenos. Já na nossa cultura, esses exames são relativamente novos”. O Brasil participa do programa desde a sua criação, em 2000. Na ocasião, foi o último colocado geral entre 32 países. Em 2012, ficou na 58ª posição, entre 65.
O relatório do programa afirma que o principal motivo do mau desempenho, no entanto, é a repetência observada na educação básica brasileira. Como o exame é aplicado a estudantes de 15 anos, quem reprova acaba respondendo ao teste em séries diferentes da qual deveriam estar. Cerca de 36% dos estudantes brasileiros nessa idade já repetiram de ano, segundo a pesquisa. As provas do PISA misturam questões de múltipla escolha e outras que exigem a construção de respostas próprias.