23 de junho de 2014 – Fonte O Globo – RJ
Um levantamento feito pelo movimento Todos Pela Educação e publicado no GLOBO mostrou que 96% das escolas da rede pública não tinham infraestrutura totalmente adequada para funcionar. São estabelecimentos que, de acordo com o Censo Escolar do MEC, não dispõem de ao menos um dos itens que o recém aprovado Plano Nacional de Educação estabelece como necessário para todos os colégios públicos. São eles: água tratada e saneamento básico, energia elétrica, acesso à internet em banda larga, acessibilidade para pessoas com deficiência, bibliotecas, espaços para práticas esportivas, acesso a bens culturais e à arte e equipamentos e laboratórios de ciências.
Uma leitora, diante de notícia tão alarmante, questionou: será que o quadro é muito melhor na rede privada? Dados fornecidos pelo Todos Pela Educação à coluna mostram que não: 86% dos colégios particulares também não dispõem integralmente desses itens. O equipamento que mais falta na rede paga é laboratório de ciências, encontrado em apenas 21% dos colégios. No setor público, a proporção é de 8%.
Quando analisamos as causas do mau desempenho de nosso sistema de ensino, a tendência é olharmos apenas para a rede pública, que concentra mais de 80% das matrículas. A rede privada, no entanto, é bastante heterogênea. O topo do ranking do Enem é dominado por colégios particulares de elite, mas, como mostra um trabalho do pesquisador da USP Ocimar Alavarse, 52% das escolas pagas do país tiveram no Enem média abaixo de 560 pontos. Essa pontuação dificilmente credencia um estudante a uma vaga nos cursos superiores mais disputados.
Analisar com cuidado os dados da rede privada é importante num contexto em que as matrículas no setor crescem. De acordo com o censo escolar do MEC, de 2007 a 2013, houve aumento de 35% no número de alunos em colégios particulares da educação básica, enquanto os públicos registraram queda de 11%.
Uma explicação plausível é que uma parcela da chamada nova classe média, que até então mantinha seus filhos na rede pública, pode estar optando pelo ensino privado, graças à melhoria na renda. Por um lado, o fenômeno é positivo, pois mostra que essas famílias valorizam a educação e estão dispostas a fazer um sacrifício financeiro para tanto. O problema é que a promessa de qualidade de ensino melhor pode não se concretizar em boa parte das escolas que atenderão essa clientela recém-saída da rede pública.
Os efeitos desse movimento serão percebidos também no ensino público. Os pais que, ao primeiro sinal de aumento na renda, transferem seus filhos para a escola particular são, provavelmente, também os que mais valorizam a educação e mais cobram e colaboram com professores e diretores em busca de uma melhor qualidade de ensino.
O aprendizado não depende apenas da qualidade do professor ou da infraestrutura da escola. É o nível socioeconômico das famílias que, segundo estudos, mais influencia o desempenho dos estudantes. Além disso, é preciso considerar que as crianças aprendem também entre elas, no que é chamado de efeito entre pares. Se os melhores alunos da rede pública migram para a particular, isso afeta o desempenho das crianças que permanecem nas escolas estatais.
Ao fim, no entanto, a mais preocupante das consequências desse movimento é reforçar o estigma de que, no Brasil, escola pública é lugar só para pobres.