Folha de São Paulo – ÉRICA FRAGA DE SÃO PAULO – 15/03/15
Prevalecia a ideia de que a educação era consequência do desenvolvimento, não a causa; essa percepção mudou
A recuperação dos direitos políticos no Brasil foi acompanhada de significativa alta no acesso à educação e à saúde, também considerados instrumentos fundamentais ao exercício da cidadania.
Passadas três décadas da redemocratização, porém, a dificuldade em melhorar a qualidade desses serviços é considerada um dos entraves a um maior desenvolvimento socioeconômico do país.
Há 30 anos, oito em cada dez crianças de 7 a 14 anos estavam na escola. Hoje, essa relação é de quase 100%.
Os anos médios de estudo do brasileiro adulto com mais de 25 anos saltaram de 4,3 anos em 1985 a 7,7 em 2013.
O Brasil demorou a acordar para a importância do ensino. Até os anos 1970, prevalecia a ideia de que a educação era consequência –e não causa– do desenvolvimento.
A mudança de percepção começou a ocorrer nos anos 1980. Desde então, o avanço da escolaridade contribuiu para o aumento da remuneração dos mais pobres.
Estudos apontam a educação como a principal responsável pela queda na desigualdade da renda medida pelos salários ocorrida na década passada no Brasil. “A maior oferta de educação levou a uma queda forte das diferenças entre salários, contribuindo à redução da desigualdade”, diz o economista Naercio Menezes Filho, do Insper.
Mais difícil de mensurar, o maior acesso à saúde também teve papel importante nessa tendência. A expectativa de vida deu um salto equivalente a mais de dez anos desde 1985, chegando a 75 anos de idade. Trabalhadores mais saudáveis produzem mais e melhor, contribuindo para o crescimento econômico.
MOTOR DO AVANÇO
O processo de avanço dos indicadores sociais teve sua largada com a Constituição de 1988, que fixou a universalização do acesso gratuito à educação e à saúde.
A criação do SUS (Sistema Único de Saúde) garantiu atendimento, por exemplo, a trabalhadores sem carteira assinada, antes excluídos.
“O salto do acesso à saúde foi uma das principais mudanças no Brasil desde a redemocratização”, diz Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP.
A transferência de fatia importante da responsabilidade pelos serviços de educação e saúde aos municípios melhorou suas gestões. Na década de 90, houve a definição de fontes de financiamento para esses setores, que garantiram o acesso de cidades mais carentes a recursos.
Outro avanço foram os mecanismos de avaliação dos serviços públicos, em especial na área educacional, em que exames federais e estaduais medem a aprendizagem.
“Isso nos permite hoje uma necessária mudança de foco para a qualidade do ensino”, diz Alejandra Velasco, coordenadora-geral do movimento Todos pela Educação.
A principal dificuldade tem sido conseguir avanços mais significativos na qualidade dos serviços prestados.
Nos últimos anos, os brasileiros passaram a apontar a saúde como o principal problema do país, segundo pesquisas do Datafolha.
Já a qualidade da educação nos últimos anos do ciclo fundamental e no ensino médio está estagnada. Segundo Velasco, o país dificilmente cumprirá metas oficiais, como a de garantir que 70% das crianças tenham aprendizagem adequada até 2022 –marca alcançada em 2005 pela média dos países da OCDE (que reúne ricos e emergentes).
Para continuar avançando, o país precisa aumentar gastos e melhorar a gestão dos recursos investidos, de acordo com especialistas. Um dos problemas, porém, é o limite das fontes de financiamento.
“O desafio do Brasil agora para continuar se desenvolvendo é fazer escolhas difíceis em termos de gastos públicos”, diz Filipe Campante, professor de políticas públicas da universidade Harvard.