BBC Brasil – 08/04/15
A cada três anos, estudantes de vários países fazem o exame internacional Pisa (sigla inglesa para Programa Internacional de Avaliação de Alunos), cujo objetivo é avaliar sistemas educacionais no mundo por meio de uma série de testes em assuntos como leitura, matemática e ciências.
Cerca de 510 mil estudantes de 65 países participaram da rodada mais recente de testes, realizada em 2012. Os resultados foram divulgados em dezembro de 2013.
O Brasil ocupa a posição 55 no ranking de leitura, 58 no de matemática e 59 no de ciências. Xangai (China) está no topo da lista nas três matérias, Cingapura e Hong Kong se revezam na segunda e terceira posições.
No artigo a seguir, o responsável pelo exame, Andreas Schleicher, usa dados revelados pelo Pisa para destruir alguns dos grandes mitos sobre o que seria um bom sistema de educação.
1. Alunos pobres estão destinados a fracassar na escola
Em salas de aula de todo o mundo, professores lutam para impedir que alunos mais pobres fiquem em desvantagem também no aprendizado.
No entanto, resultados do Pisa mostram que 10% dos estudantes de 15 anos de idade mais pobres em Xangai, na China, sabem mais matemática do que 10% dos estudantes mais privilegiados dos Estados Unidos e de vários países europeus.
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Crianças de níveis sociais similares podem ter desempenhos muito diferentes, dependendo da escola que frequentam ou do país onde vivem. Sistemas de educação em que estudantes mais pobres são bem sucedidos tem capacidade para moderar a desigualdade social. Eles tendem a atrair os professores mais talentosos para as salas de aula mais difíceis e os diretores mais capazes para as escolas mais pobres, desafiando os estudantes com padrões altos e um ensino excelente.
Alguns americanos criticam comparações educacionais internacionais, argumentando que elas têm um valor limitado porque os Estados Unidos têm divisões sócioeconômicas muito particulares.
Mas os Estados Unidos são mais ricos do que a maioria dos outros países e gastam mais dinheiro com educação do que a maioria. Pais e mães americanos têm melhor nível educacional do que a maioria dos pais e mães em outros países e a proporção de estudantes de nível sócioeconômico baixo nos EUA está perto da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).
O que as comparações revelam é que as desvantagens sócioeconômicas têm impacto particularmente forte sobre o desempenho de estudantes nos Estados Unidos.
Em outras palavras, nos Estados Unidos, dois alunos de níveis sócioeconômicos diferentes variam muito mais em seu aprendizado do que se observa em outros países que integram a OCDE.
2. Países onde há muitos imigrantes têm pior desempenho
Integrar estudantes imigrantes, ou descendentes de imigrantes, pode ser um desafio.
No entanto, resultados dos exames Pisa mostram que não há relação entre a porcentagem de estudantes imigrantes – ou descendentes de imigrantes – em um dado país e o desempenho dos estudantes daquele país nos exames.
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Estudantes com históricos de imigração e níveis sociais similares apresentam desempenhos variados em países diferentes, o que sugere que as escolas onde os alunos estudam fazem muito mais diferença do que os lugares de onde os alunos vêm.
3. É tudo uma questão de dinheiro
A Coreia do Sul – país com melhor desempenho (em termos individuais) em matemática na OCDE – gasta, por estudante, bem menos do que a média. O mundo não está mais dividido entre países ricos e bem educados e países pobres e mal educados. O sucesso em sistemas educacionais não depende mais de quanto dinheiro é gasto e, sim, de como o dinheiro é gasto.
Se quiserem competir em uma economia global cada vez mais focada no conhecimento, os países precisam investir em melhorias na educação. Porém, entre os integrantes da OCDE, gastos com educação por estudante explicam menos de 20% da variação no desempenho dos alunos.
Por exemplo, aos 15 anos de idade, estudantes eslovacos apresentam uma média de desempenho similar à de um estudante americano da mesma idade. No entanto, a Eslováquia gasta cerca de US$ 53.000 para educar cada estudante dos 6 aos 15 anos de idade, enquanto os Estados Unidos gastam mais de US$ 115.000 por estudante.
4. Salas de aula menores elevam o nível
Por toda parte, professores, pais e autoridades responsáveis por políticas educacionais apontam salas de aula pequenas, com poucos alunos, como essenciais para uma educação melhor e mais personalizada.
Reduções no tamanho da classe foram a principal razão para os aumentos significativos nos gastos por estudante verificados na maioria dos países ao longo da última década.
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Apesar disso, os resultados do Pisa mostram que não há relação entre o tamanho da classe e o aprendizado, seja internamente, em cada país, ou se compararmos os vários países.
E o que é mais interessante: os sistemas educacionais com melhor desempenho no Pisa tendem a dar mais prioridade à qualidade dos professores do que ao tamanho da classe. Sempre que têm de escolher entre uma sala menor e um professor melhor, escolhem a segunda opção.
Por exemplo, em vez de gastarem dinheiro com classes pequenas, eles investem em salários mais competitivos para os professores, desenvolvimento profissional constante e cargas horárias equilibradas.
5. Sistemas únicos de educação são mais justos, sistemas seletivos oferecem resultados melhores
Parece haver um consenso, entre educadores, de que sistemas educacionais não seletivos, que oferecem um mesmo programa de ensino para todos os estudantes, são a opção mais justa e igualitária. E que sistemas onde alunos aparentemente mais inteligentes são selecionados para frequentar escolas com programas diferenciados oferecem melhor qualidade e excelência de resultados.
No entanto, comparações internacionais mostram que não há incompatibilidade entre qualidade do aprendizado e igualdade. Os sistemas educacionais que apresentam melhores resultados combinam os dois modelos.
Nenhum dos países com alto índice de estratificação está no grupo de sistemas educacionais com os melhores resultados – ou entre os sistemas com a maior proporção de estudantes com o melhor desempenho.
6. O mundo digital requer novas matérias e um currículo novo
Globalização e mudanças tecnológicas estão tendo um grande impacto sobre os conteúdos que estudantes precisam aprender.
Num mundo onde somos capazes de acessar tantos conteúdos no Google, onde habilidades rotineiras estão sendo digitalizadas ou terceirizadas e onde atividades profissionais mudam constantemente, o foco deve estar em permitir que as pessoas tornem-se aprendizes para a vida toda, para que possam lidar com formas complexas de pensar e trabalhar.
Resumindo, o mundo moderno não nos recompensa mais apenas pelo que sabemos, mas pelo que podemos fazer com o que sabemos.
Como resposta, muitos países estão expandindo currículos escolares para incluir novas matérias. A tendência mais recente, reforçada pela crise financeira, foi ensinar finanças aos estudantes.
Porém, os resultados do Pisa mostram que não há relação entre o grau de educação financeira e a competência dos estudantes no assunto. Na verdade, alguns dos sistemas de educação em que os estudantes tiveram o melhor desempenho nas provas do Pisa que avaliaram competência em finanças não ensinam finanças – mas investem pesado no desenvolvimento de habilidades matemáticas profundas.
De maneira geral, nos sistemas educacionais de melhor desempenho, o currículo não é amplo e raso. Ele tende a ser rigoroso, com poucas matérias que são bem ensinadas e com grande profundidade.
7. O segredo do sucesso é o talento inato
Livros de psicólogos especializados em educação tendem a reforçar a crença de que o desempenho de um aluno brilhante resulta de inteligência inata, e não do trabalho duro. Os resultados do Pisa questionam também este mito.
Às vezes, professores se sentem culpados por pressionar estudantes tidos como menos capazes, acham injusto fazer isso com o aluno. O mais provável é que tentem fazer com que cada estudante atinja a média de desempenho dos alunos em sua classe. Na Finlândia, em Cingapura ou Xangai, por outro lado, o objetivo do professor é que alunos alcancem padrões altos em termos universais.
Uma comparação entre as notas escolares e o desempenho de estudantes no Pisa também indica que, frequentemente, professores esperam menos de alunos de nível sócioeconômico mais baixo. E pode ser que os próprios alunos e seus pais também esperem menos.
A não ser que aceitem que todas as crianças podem alcançar os níveis mais altos de desempenho, é pouco provável que os sistemas educacionais (com resultados piores) possam se equiparar aos dos países com índices de aprendizado mais altos.
Na Finlândia, Japão, Cingapura, Xangai e Hong Kong, estudantes, pais, professores e o público em geral tendem a compartilhar a crença de que todos os estudantes são capazes de alcançar níveis altos.
Um dos padrões mais interessantes observados entre alguns dos países com melhor desempenho foi o abandono gradual de sistemas nos quais estudantes eram separados em diferentes tipos de escolas secundárias.
Esses países não fizeram essa transição calculando a média de desempenho (entre todos os grupos) e usando essa média como o novo padrão a ser almejado. Em vez disso, eles colocaram a nova meta lá em cima, exigindo que todos os estudantes alcançassem o nível que antes era esperado apenas dos estudantes de elite.