Guilherme Perez Cabral – 22/06 – UOL
Na semana passada, ganhou destaque a discussão do ensino religioso na escola pública. A matéria está sendo discutida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), movida pela Procuradoria-Geral da República, órgão máximo do Ministério Público da União. Em audiência pública, promovida pelo Ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo, diversas entidades da sociedade civil defenderam seus pontos de vista, promovendo um diálogo sobre o tema.
Foi a mesma semana em que fomos surpreendidos com uma notícia triste e absurda. Uma criança de 11 anos, praticante do candomblé, foi apedrejada por causa da sua religião. Aqui, prevaleceu outra linguagem. A absoluta intolerância religiosa.
Falemos do debate. Na ação judicial, o Ministério Público pede que o STF, responsável pela “guarda” da nossa Constituição, dê ao tema do ensino religioso em escola pública, uma “interpretação conforme” o texto constitucional.
De acordo com o Art. 33 da lei de Diretrizes e Bases – LDB (no 9.394/1996), o “ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina de horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”.
O texto legal acompanha, assim, o que está escrito no Art. 210, § 1º, da Constituição. Ocorre que a mesma Constituição estabelece o princípio da laicidade (Art. 19). O Estado brasileiro é laico. Deve se manter neutro em relação às questões da fé. Deve respeitar todas as religiões, sem tomar partido de nenhuma delas.
Nesse cenário, a tese defendida, na ADIN, é a seguinte: a única forma de harmonizar o caráter laico do Estado com o ensino religioso na escola pública é a adoção do que se denomina “modelo não confessional”. A escola pública não deve ser espaço para o ensino de uma confissão específica. Nem interconfessional, ecumênica. O ensino religioso tem um lugar reconhecido e respeitado pelo Estado: a escola privada confessional.
Desse modo, a interpretação conforme a Constituição, para o Ministério Público, remete, no caso, a um ensino ministrado por professor da rede pública e não por um orientador religioso ou por um representante dessa ou daquela igreja. Deve se voltar à exposição e reflexão sobre as doutrinas, a história e as práticas das diferentes religiões, confrontando-as, inclusive, com visões não-religiosas. Deve, enfim, seguir uma perspectiva antropológica, filosófica e histórica. Sem imposição de dogmas. Sem evangelização. Sem catequese.
A tese defendida é bastante adequada. Mesmo quem discorde, não pode deixar de aplaudir a coerência e profundidade dos argumentos. Há posições divergentes, é claro. É muito importante que haja argumentos e entendimentos em outros sentidos. E é fundamental que haja respeito com todos eles.
Falo do respeito, da tolerância que, diga-se a propósito, a educação religiosa (não confessional ou confessional), interpretada conforme a Constituição, precisa ter como seu objetivo, em assuntos de religião.
A semana, na qual se debateu o ensino religioso na escola pública, trouxe um estudo de caso trágico sobre a violência e a intolerância religiosa que a educação tem de combater. Democracia, Estado laico e liberdade religiosa não combinam com apedrejamentos.
Desses caminhos opostos para o encaminhamento de assuntos de religião, que a questão do ensino religioso na escola pública siga o diálogo. Que o debate se efetive de forma republicana, no espaço público, para o bem do ensino público. Acalmemos, então, nossos dogmas, religiosos ou antirreligiosos, anteriores e imunes ao debate. Deixemos a intolerância de lado. Superemos o proselitismo, como pede a lei.
GUILHERME PEREZ CABRAL
Guilherme Perez Cabral é advogado especialista em direito educacional, doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito.