Nos últimos anos, especialmente a partir das informações de dois grandes programas de avaliação estudantil em nível internacional – o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e o Tendências Internacionais nos Estudos de Matemática e Ciência (Timms) – os países desenvolvidos vêm reformulando seus currículos nas áreas de matemática e de ciências e as orientações sobre o ensino da língua e sobre a alfabetização. Há um ambiente de colaboração internacional entre as autoridades educacionais, do qual os nossos representantes têm escolhido não fazer parte.
A demonstração mais recente do isolamento educacional brasileiro está em duas iniciativas do governo federal a respeito da alfabetização escolar das crianças: a Medida Provisória n.º 586/12 e uma proposta de normativa para garantir “direitos de aprendizagem”. São duas peças que, uma vez aprovadas respectivamente pelo Poder Legislativo e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), servirão de base legal para garantir aos brasileiros o “direto de aprender a ler aos oito anos”. O problema, muito bem apresentado pela mãe de Cachoeiras de Macacu, é que continuamos sem ter a definição clara do que é “saber ler” e colocamos um padrão difuso que está servindo para facilitar a vida de quem não sabe “ensinar a ler”.
A medida provisória trata essencialmente de recursos para compra de materiais paradidáticos, formação de alfabetizadores e premiação para quem der conta do recado. Para se ter uma ideia de como o assunto é tratado por quem estabelece as políticas educacionais, foram enviadas mais de 60 emendas – e duas delas propunham estabelecer a alfabetização como direito a ser assegurado aos 6 anos, ao final do primeiro ano do ensino fundamental, como se faz nas escolas privadas e no mundo desenvolvido. Essas duas emendas foram rejeitadas. Outra, que dispensa os tomadores de crédito estudantil de ter ficha de crédito limpa, foi aprovada, apesar de nem estar relacionada com a matéria em pauta.
Para ilustrar a dimensão do fosso que nos separa do resto do mundo, fazemos uma comparação de fácil digestão para os brasileiros – com Portugal.
Recentemente, o currículo de Língua Portuguesa e o de Matemática para o ensino fundamental foram reformulados com o objetivo explícito de melhorar a qualidade e se aproximarem dos demais países da Europa. Esses currículos, disponíveis na internet, são detalhados e simples o suficiente para que as famílias possam acompanhar a sua implementação nas escolas de seus filhos. Lá até as escolas particulares tiveram de fazer adequações para atenderem aos novos padrões, que, além de detalhados, são desafiadores para os alunos e seus professores.
Alguns exemplos do que o documento da terra de Camões apresenta: no primeiro ano o aluno deve ler, num texto simples, 55 palavras por minuto; no segundo ano, 90 palavras por minuto e no terceiro ano, 110 palavras por minuto. Também no terceiro ano os portugueses devem “escrever pequenas narrativas, incluindo os seus elementos constituintes: quem, quando, onde, o quê, como”. E vão “introduzir diálogos em textos narrativos”. Fica fácil imaginar que, daqui a dez anos, seremos nós os protagonistas das piadas de português…
Sempre há esperança. No caso da Medida Provisória n.º 586/12, os legisladores poderiam abrir espaço para ouvir outras vozes, analisar a experiência internacional e avaliar políticas públicas que efetivamente possam promover avanços na alfabetização das crianças. Poderiam, por exemplo, começar ouvindo o que a Academia Brasileira de Ciências tem a dizer – inclusive saberiam que, se existe um ciclo de alfabetização, ele deveria começar na educação infantil e terminar no primeiro ano do ensino fundamental. No caso do documento enviado ao CNE, sempre é tempo para retirar da pauta, rever e incorporar, de maneira consistente, o que o conhecimento científico acumulado e a experiência de outros países teriam a nos ensinar.
Quem sabe o nosso ministro da Educação, Aloizio Mercadante, se disponha a ter um curto diálogo com seu colega Nuno Crato, de Portugal? Ou a presidente Dilma Rousseff se sensibilize com padrões educacionais que, apesar de nada populares em alguns setores da educação local, são ambiciosos o suficiente para tornar o Brasil um país realmente cosmopolita?