A educação sempre foi resistente a mudanças. É uma indústria que envolve tantos riscos – tanto quanto alimentação, moradia e saúde – que os profissionais são relutantes em experimentar inovações que ainda não se provaram efetivas e que podem trazer resultados aquém dos esperados.
Qualquer que seja a indústria, a inovação é, por sua natureza, algo que quase sempre traz mudanças apenas incrementais. A inovação tectônica é extremamente rara. É somente pela junção de uma quantidade enorme de pequenas inovações que a maioria das indústrias vê a melhoria de seu produto ao longo do tempo. Até recentemente, porém, a educação vinha sendo uma das indústrias mais difíceis de se medir e, principalmente, de ter avaliada suas pequenas transformações. Além disso, também tem sido uma das indústrias mais caras por habitante. Principalmente por ser algo tão grande e importante, nunca houve e nunca haverá qualquer desejo de se adotar pequenas melhorias em larga escala, se houver pouco ou nenhum dado que justifique essa escolha.
Historicamente, essa realidade tem sufocado a inovação – tanto de dentro da própria indústria como pela atração de empreendedores de outras áreas. Na semana passada [em fevereiro], eu tive a sorte de participar de grupo de trabalho com empresários e gestores públicos em Washington para discutir formas de promover algumas mudanças positivas em educação. O encontro foi organizado por Steve Case, cofundador e CEO da AOL, em parceria com o secretário de Educação dos Estados Unidos. Além de contar com outros representantes da pasta, estavam presentes também responsáveis por empresas como a 2U’s, a StraighterLine, a Chegg, a Echo 360, a Blackboard, a BenchPrep e a Startup America.
Durante a conversa, eu defendi com veemência a ideia de que o governo precisa desempenhar um papel de destaque no incentivo às instituições de todos os níveis para que expandam suas políticas de distribuição de crédito e aceitem – sem atrito – cursos on-line de qualquer outra escola credenciada. Estou convencido de que nenhuma outra política poderia fazer mais para acelerar as inovações.
Hoje em dia, quase todas as instituições de educação básica e superior aceitam créditos de disciplinas que os alunos tenham realizado presencialmente em outras escolas. Como o número de cursos on-line de escolas credenciadas continua crescendo, faz cada vez mais sentido que as escolas também passem a aceitar os créditos de cursos on-line feitos em outras instituições.
Eu acredito que a aceitação generalizada de crédito de bons cursos on-line é inevitável nesta próxima década. Mas quem vai chegar primeiro? As escolas e faculdades (e até mesmo os países) que seguirem essa política terão uma vantagem a longo prazo sobre aqueles que continuam esperando. Se nós incentivarmos as escolas a começar a aceitar esses créditos agora mesmo, sem ônus ou condições, vamos encorajar a produção de cursos on-line de alta qualidade – que, por sua vez, vão incentivar mais estudantes a estudar por eles e mais pessoas inovadoras a empoderar esses cursos, fazendo com que tais ferramentas melhorem suas funcionalidades cada vez mais.
Então, vamos primeiro falar sobre os efeitos que esta aceitação de crédito teria e procurar pensar a melhor forma de implementá-la.
Os alunos teriam acesso a um número exponencialmente maior de cursos em disciplinas que eles não teriam à disposição normalmente. Assim, um aluno de um community college [instituições de dois anos de duração normalmente voltadas a complementar a formação dos alunos de mais baixa renda] poderá fazer cursos sobre determinados assuntos que sua escola não oferece ou até cursar uma disciplina de uma universidade de quatro anos de duração onde pretenda estudar [depois dos dois anos do community college, é normal que os alunos tentem ingressar em uma universidade com curso de mais longa duração]. Um aluno ambicioso de ensino médio que esteja sentindo falta de um curso de aprofundamento pode fazê-lo on-line.
Crianças do ensino fundamental teriam uma grande variedade de cursos de língua estrangeira para escolher (atualmente, muitas escolas não oferecem disciplinas em outros idiomas, mesmo que este seja o melhor momento para que as crianças iniciem o aprendizado de uma segunda língua). Um aluno que, por ter uma velocidade muito própria de aprendizado e pode estar muito atrasado ou adiantado em seu grupo, seria capaz de estudar on-line sem nenhum estigma. Crianças educadas em casa, com necessidades especiais ou aqueles que apenas desejam estudar um pouco mais – todos teriam uma enorme biblioteca on-line de disciplinas para escolher.
Por outro lado, escolas que ofereçam cursos on-line daquilo que ensinam melhor podem aumentar sua margem de lucro e investir em suas atividades. Escolas que compram esses cursos vão proporcionar melhores oportunidades acadêmicas para os seus alunos com um custo relativamente baixo. Em alguns casos, as escolas poderiam cobrar uma taxa da escola que está usando o curso e fazer com que a aceitação de créditos on-line seja uma forma de ter um lucro modesto. (Ou talvez, poderiam cobrar dos pais e/ou receber assistência financeira do Estado.) Ao não ter que prover essas aulas, as escolas que aceitam os créditos também poderiam se liberar para se dedicar a outras atividades em seu campus. Isso beneficiaria todos os tipos de instituições: escolas privadas teriam capacidade de aceitar mais alunos e gerar mais receita, enquanto escolas públicas reduziriam os problemas de superlotação das salas de aula. (Em Nova York, por exemplo, esse problema atingiu proporções tão grandes que é comum alunos não serem aceitos em escolas públicas próximas de suas casas e terem de atravessar a cidade para estudar).
Este novo mercado de créditos também resolve muitos dos problemas que hoje dificultam a vida dos inovadores. Para começar, seria importante melhorar significativamente a capacidade de mensurar resultados. Cursos on-line criam possibilidades de explorar dados de uma maneira que os cursos presenciais não permitem. A Knewton, por exemplo, pode transformar a proficiência dos alunos em percentuais. Nós também podemos medir o envolvimento do aluno e analisar como isso influencia diretamente sua aprendizagem. Outras tecnologias de educação oferecem dados adicionais e muitos outros serviços. Com os dados dos alunos, tecnologias de aprendizagem on-line que, de fato, funcionam vão se espalhar rapidamente, como ocorreu com tecnologias úteis em outras indústrias relacionadas à internet.
Outro benefício desse ecossistema é que ele iria consolidar o poder de atividade e de compra. Agora, os empreendedores estão tão impressionados com a possibilidade de venda para as escolas que muitos estão convencidos a entrar no ramo ao mesmo tempo. Entre os que tentam, porém, há os que não conseguem captar fundos de investidores desconfiados ou acham que seu modelo de distribuição (vender para uma escola por vez, com longos ciclos de venda e muitos envolvidos com poder de veto) é impossível de ser escalável. Um ecossistema em que as melhores ideias pudessem ser medidas e facilmente distribuídas também ajudaria os empreendedores que já estão dentro da área – os professores! –, cujas boas práticas se espalhariam.
A preocupação mais importante em promover um ecossistema de aceitação automática de créditos é manter os padrões de qualidade dos cursos on-line. Então, vamos fazer isso em etapas. As escolas públicas devem aceitar créditos on-line que venham de outras escolas públicas. Instituições de nível superior devem aceitar de outras instituições de nível superior credenciadas. A norma deveria ditar que, se uma escola aceita os créditos de um aluno transferido de outra escola, ela deveria aceitar créditos on-line também – ou ter um bom motivo para não fazer isso.
Talvez o Departamento de Educação dos EUA poderia dar o pontapé inicial e fazer uma “lista top” com escolas que eles recomendam que tenham seus créditos aceitos por outras instituições. Isso seria muito mais uma forma de promoção dos créditos do que uma política propriamente dita, mas seria um começo. Escolas que produzem cursos on-line de má qualidade podem, se necessário, ser removidas da lista – embora as avaliações negativas de outras escolas que experimentaram seus cursos sejam um mecanismo melhor de controle. Eventualmente, escolas e empresas (com fins lucrativos) não-tradicionais podem ser adicionados à lista principal, mas somente se forem capazes de apresentar uma qualidade comparável.
Como o cenário educacional continua a evoluir rapidamente, cabe a todos nós – tomadores de decisão, empreendedores, professores, empresários, estudantes e outros interessados – apoiar o que vai bem e minimizar o que vai mal. Incentivar a aceitação de crédito generalizada de cursos on-line de escolas conceituadas é a forma mais imediata, e disruptiva, de impulsionar a inovação e, comprovadamente, melhorar os resultados para estudantes e escolas.
Esse artigo foi publicado originalmente no site da Knewton. Jose Ferreira é um dos palestrantes que participa do Transformar 2013.