Rodrigo Guerra – Do UOL, em São Paulo – 02/06/2015
Nos meus tempos de escola, eu me divertia muito com as aulas de educação física. As outras aulas, sendo bem honesto, eram um pouco chatas. Mas hoje as coisas parecem que estão mudando para os alunos. No lugar de decorar os nomes dos países em um mapa estático e sem graça, os estudantes estão aprendendo isso com os videogames.
É assim que os alunos do Colégio Federal Pedro II, um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro, estão descobrindo e aprendendo coisas como a evolução da paisagem de Jerusalém através dos séculos com “Assassin’s Creed”, as diferenças socioeconômicas de uma cidade com “Grand Theft Auto V” e os cenários geográficos com os estágios de “Street Fighter II”.
Esse é o Núcleo de Game, Atividade e Metodologia de Ensino (NuGAME), o espaço de pesquisa liderado pelos professores Marcos Lima e Rafael Andrade, que se reúnem com alunos do ensino básico duas vezes por semana para discutir e usar jogos para ensinar geografia.
“Sou professor, geógrafo e gamer. Sempre utilizei os jogos como exemplos para ilustrar alguns dos conteúdos trabalhados em sala”, conta Marcos em entrevista para UOL Jogos. A ideia de levar os games para a sala de aula veio com a constatação do óbvio: os alunos passam boa parte do seu tempo livre jogando videogame.
“A proposta era simples: levar para dentro da escola o que estava ocupando boa parte do tempo dos alunos fora da escola. Nesse sentido, o núcleo buscava problematizar os jogos eletrônicos sem utilizar para isso os chamados jogos educativos, já que esses, embora garantam um ganho de participação dos alunos, não são o que eles estão jogando em casa”, conta.
O NuGAME é uma atividade extracurricular que reúne 12 alunos duas vezes por semana e utiliza as observações feitas pelos estudantes e professores nos jogos para identificar pontos interessantes e educativos que passam despercebidos na hora da jogatina. Embora Marcos seja professor de Geografia, o núcleo também tem pauta direcionada para uma série de disciplinas, como Ciências Sociais e História.
“Cada jogo dialoga com alguma matéria escolar, o desafio é perceber isso. Nesse sentido, mesmo um professor que não jogue videogame pode utilizar os jogos como ferramenta didática, basta passar a bola para os alunos. Se é difícil fazer um exercício de matemática, porque não aplicá-lo a um jogo? E quem vai fazer isso é o aluno. Isso nada mais é do que a velha luta contra a educação bancária travada por Paulo Freire”, comenta Marcos.
“Nossa rotina é marcada por reuniões semanais com o estabelecimento de um cronograma por semestre das atividades que serão desenvolvidas. Algumas vezes ocorrem reuniões extras por conta de projetos paralelos”, conta Marcos.
As aulas não ficam contidas apenas em jogos, mas temas debatidos pela mídia também entram em discussão. Marcos apresenta e discute com seus alunos reportagens como “De vilões a protagonistas: a evolução dos personagens gays nos games”, publicada por UOL Jogos em abril desse ano.
“A partir da reportagem sobre os personagens gays tivemos a ideia de montar um documentário sobre o tema. Fizemos uma parceria com outro núcleo de pesquisa do Pedro II, o Laboratório de Imagens e Narrativas em Ciências Sociais para fazermos um vídeo sobre games e sexismo. Essas reuniões extras vêm ocorrendo com os alunos dos dois grupos nas últimas semanas”, conta o professor.
Incentivos para estudar
Os alunos, claro, gostaram da ideia, afinal, jogar videogame para aprender é bem mais divertido. Giselle Lazéra é uma dessas alunas que fazem parte do NuGAME. “Além de geografia ser uma das minhas matérias favoritas e eu amar videogames, é um projeto único que envolve escola e games, do qual eu não teria chance de fazer parte em outro lugar”, conta.
Outro aluno, Leonardo Telhado, também fica animado com o conteúdo apresentado no núcleo. “Minhas notas em geografia passaram de 7, 8 para 9, pois a matéria está sendo muito bem-vinda ao meu ver. O professor também é demais”, comenta.
Para participar do núcleo é necessário passar por um processo seletivo. Isso, porém, não lhes dá uma vantagem sobre os outros alunos do colégio. Nenhum participante ganha notas extras, porém o que os motiva é fazer parte desse grupo. “Participar do NuGAME não vale ponto extra e não garante bonificação nas provas ou qualquer outro tipo de beneficio material. Mas vale algo que para eles tem sido um grande motivador: uma identidade de pesquisador do NuGAME”, diz Marcos.
O professor também comenta que outro incentivo para o aluno é saber que será reconhecido no futuro. A sala onde se encontra o NuGAME tem um mural fixo com retratos dos participantes. “A parede do núcleo com as fotos dos pesquisadores e a possibilidade de voltar naquela sala daqui a vinte anos e ver dentre tantas fotos as suas tem sido tão valorizado quanto ganhar ponto extra em prova de matemática”, conta.
Atualmente Marcos joga videogame também com olhar de professor e cada game pode ter uma lição que pode ir para a sala de aula. “Jogar ‘Need For Speed: The Run’ é pensar na minha aula sobre os Estados Unidos. Jogar um novo jogo da série ‘Assassin’s Creed’ é pensar em como aquele espaço representado no jogo me ajuda a trabalhar o espaço dos alunos. Parte da minha diversão hoje é jogar e ver como a geografia está presente naquele jogo. Alguns casos são mais explícitos e em outros menos”.
Para o professor também tem sido uma boa recompensa. “Por mais que ainda exista certa estigmatização de que games são ferramentas para o lazer e mesmo na escola outros colegas ainda encarem como uma simples brincadeira, me sinto um felizardo de poder jogar videogame no meu ambiente de trabalho”, diz Marcos.