CGC Educação – Por Igor Cruz, da Agência USP -20/03/2013
Pesquisa da Faculdade de Educação da USP revela a existência de 117 organizações só na cidade de São Paulo
No atual contexto de atuação das Organizações Não-Governamentais, as ONG’s, no campo da educação profissional, pesquisa da Faculdade de Educação realizou um levantamento das instituições da sociedade civil presentes neste ramo, no município de São Paulo. Foram catalogadas 117 organizações, com mais de 150 unidades espalhadas por toda a cidade. Apesar de apresentarem boa estrutura física, e contar com bons profissionais, a desarticulação do poder público, muitas vezes, leva estas organizações a confundirem projetos educacionais, com modelos de socorro e assistência social para jovens carentes.
Reformulada no início dos anos 2000, a lei federal da aprendizagem, regida pelo Ministério do Trabalho, obriga empresas brasileiras, de médio e grande porte, a contratar adolescentes e jovens de 14 a 24 anos. No entanto, a falta de diálogo entre pastas do Trabalho, Educação e Assistência Social, deixa estes jovens desamparados, sem qualquer preparação para a entrada no mercado de trabalho. Com a dissertação de mestrado Educação profissional e organizações não governamentais: panorama dos cursos de formação profissional de jovens trabalhadores no município de São Paulo, a psicóloga Ana Paula Bellizia pretendeu conhecer como as ONG’s acabam se encarregando deste serviço.
Ana Paula conseguiu que 64 organizações, do total de ONG’s catalogadas na pesquisa, respondessem um questionário para conhecimento do serviço por elas prestado. Estas entidades eram responsáveis pela abertura de até 35 mil vagas anuais para jovens realizarem algum tipo de curso relacionado a orientação profissional. “Obtivemos respostas de ONG’s que ofereciam desde um complexo curso técnico de mecânica, até instituições que abriam vagas para cursos preparatórios de capacitação genérica para o trabalho e para a vida”, conta a psicóloga.
Apesar da grande maioria das ONG’s não serem reconhecidas oficialmente pelo Ministério da Educação (MEC), muitas delas possuem boa estrutura física e de pessoal. Dados apontam que mais de 80% destas organizações trabalham com menos de 30 alunos por sala, por exemplo, número impensável para a maioria das escolas públicas paulistanas.
“Um mito derrubado foi que apenas voluntários, e portanto, pessoas sem comprometimento profissional, trabalhavam nas ONG’s. Segundo as próprias organizações, mais de 90% de seus funcionários são contratados”, explica Ana Paula. A psicóloga ainda conta que 30% das instituições contam com psicólogos, pedagogos e assistentes sociais trabalhando em conjunto.
Outros dados, no entanto, preocupam. Do total de ONG’s estudadas, 10 afirmam ter apenas educadores com o ensino médio completo, sem nenhuma formação técnica específica. De outro lado, somente 20 organizações afirmam ter educadores com licenciatura, formação exigida pelo MEC para ser professor.
Uma das grandes críticas às ONG’s, em geral, é a maneira como elas se mantém financeiramente. Muitas pessoas contrárias a estas instituições afirmam que, apesar de formalmente serem “não-governamentais”, a grande maioria delas funciona com investimento de dinheiro público.
De fato, das organizações que participaram da pesquisa, apenas 27% não depende de dinheiro público para funcionar. Outros 22% das instituições dependem exclusivamente de verbas municipais e estaduais para fornecer seus cursos de formação profissional. No entanto, para Ana Paula, este não é o principal motivo de preocupação. Segundo a psicóloga, é preciso estar atento a pasta de origem destes recursos, ou seja, qual a intenção do poder público ao investir nesta área.
“Quase todo o dinheiro público investido nas ONG’s provedoras de educação profissional vêm das pastas de Assistência Social e Trabalho”, diz Ana Paula. Isto denota o desinteresse das pastas de Educação acerca do tema. Para o poder público, este tipo de formação oferecida aos jovens de baixa renda não se constitui como uma forma de educação, e sim uma espécie de socorro social. Uma ajuda pontual, sem grandes contribuições para a formação acadêmica destas pessoas.
E não é apenas o poder público, o governo ou o Ministério da Educação que não reconhece o trabalho das ONG’s como um esforço educacional. Muitos dos próprios trabalhadores dos projetos destas organizações nem mesmo têm a plena consciência de que fazem educação profissional. Preocupadas com o futuro dos jovens acolhidos em cada um dos programas oferecidos, parte das organizações acredita fazer prioritariamente um trabalho de Assistência Social.
“As ONG’s estão muito ocupadas com a assistência social, e não há espaço para a discussão sobre os conceitos de educação profissional”, afirma Ana Paula. Segundo a psicóloga, este é um quadro que precisa de maior atenção pois, nesse contexto, educação, assistência social e trabalho são áreas indissociáveis, que precisam funcionar juntas. “O trabalho é o que nos torna humanos. A educação tem sentido prático quando focada neste conceito. Então, não é preciso optar entre a teoria e à prática, uma vez que o trabalho é parte essencial da vida,”, conclui.