No começo do ano, uma escola em Estocolmo, na Suécia, ganhou destaque na mídia ao incluir um jogo online como disciplina curricular obrigatória. Os educadores da instituição afirmam que o Minecraft, que se assemelha ao Lego por permitir construções com blocos, deu noções de planejamento e estimulou a criatividade dos alunos. No Brasil, apesar de ainda incipiente, a discussão em torno do potencial educativo dos games tem crescido entre professores e especialistas da área de educação.
O pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Games For Change, rede internacional que defende o potencial socialmente transformador dos jogos digitais, Gilson Schwartz, acredita que a chamada “gamification” – ou seja, o uso da tecnologia dos videogames fora da área de entretenimento – ganha cada vez mais destaque na educação de ponta. Diante dessa realidade, ele descreve duas visões possíveis na tentativa de incorporar os games como ferramentas de aprendizagem.
A primeira compreende os jogos como uma forma de incentivar a competição e o “ganhar”, o que muitas vezes é considerado positivo pelos que defendem um desempenho escolar pautado pelas regras do mercado de trabalho, com notas altas e rendimento elevado. Já a segunda, enxerga sua dimensão lúdica e propõe que, quanto mais divertido e saboroso, mais sentido um determinado assunto terá para o aluno.
“Existe sempre essa tensão entre o amor ao conhecimento e a necessidade de estudar para entrar na faculdade. Dependendo da situação, é possível combinar essas abordagens, mas é importante evitar a hipercompetitividade e o culto à performance que torna a escola excludente e pouco democrática”, ressalta.
Para o autor do livro “Doses Lúdicas”, Vince Vader, os games aproximaram elementos que antes pareciam opostos: aprender e se divertir ao mesmo tempo. “Educação não está apenas na escola, mas em nosso cotidiano. Um jogo que trabalha com senso de geografia, estratégia, dedução e lógica, aproveita o entretenimento para educar os jogadores”, afirma.
Jogos nas escolas brasileiras
Desde 2011, cerca de sete mil estudantes do ensino Médio e Fundamental do sistema SESI e de algumas escolas estaduais do Rio de Janeiro utilizam os jogos Manga High, que combinam conceitos simples e outros mais complexos de Matemática, dentro da sala de aula. Outra iniciativa em território nacional é o programa MenteInovadora, desenvolvido em 2006 e que atualmente abrange 700 escolas públicas e 170 particulares do país – totalizando aproximadamente 300 mil crianças e adolescentes.
Fruto de uma parceria entre secretarias municipais, estaduais e a empresa Mind Lab, o MenteInovadora é aplicado na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, com o uso de jogos de raciocínio de tabuleiro em uma aula semanal de 50 minutos. A partir de 2013, a iniciativa passa a integrar também o Ensino Médio com games para tablets.
De acordo com o diretor de marketing da Mind Lab, Claudio Franco, tanto os jogos físicos quantos os digitais podem ser utilizados em diversas disciplinas, já que o objetivo é desenvolver habilidades que transcendam a sala de aula para a vida cotidiana, colaborando para a solução de problemas e tomada de decisões.
Mudanças na sala de aula
Em 2012, na Escola Municipal Carlos Novarese, em Salvador (BA), o programa foi aplicado nas aulas de Ciências e Matemática do 1º ao 9º ano do ensino Fundamental. Segundo a diretora da instituição, Rosemy Soares, no início, a proposta sofreu resistência dos pais que não conseguiam compreender como aquilo poderia resultar em aprendizado. Com o tempo, a mudança de comportamento dos alunos e a participação mais efetiva das famílias no processo educativo – os estudantes recebiam um kit para jogar também em casa – fez com que os pais reavaliassem.
Para Rosemy, a inserção dos games aumentou perceptivelmente a concentração e o interesse pelo aprendizado. “Até aqueles meninos que tinham dificuldade em se manter na sala por inquietação conseguiram se envolver no jogo”, relata. A professora de Ciências do 6º ao 9º ano, Maria Adélia da Silva, revela ainda que os jogos estimularam a participação dos adolescentes que antes ficavam mais quietos.
“Achei legal percebê-los através dos jogos, ter mais sensibilidade para compreender as dificuldades de cada um”, afirma. Além disso, acredita que a experiência conferiu mais sentido e valor para escola, recuperando estudantes que faltavam às aulas e reduzindo a evasão escolar.
Professor mediador
No MenteInovadora, os educadores participaram de uma capacitação e receberam um livro de orientação, com estratégias e conceitos que poderiam ser desenvolvidos, além de sugestões para a mediação e contextualização das experiências vividas pelo jogador. Os métodos e estímulos são adequados à faixa etária e realidade de cada fase de desenvolvimento.
A falta de formação de um dos professores que se interessou pela proposta na Escola Estadual Leopoldo Jascobsen, em Taió (SC), dificultou a aplicação dos games em sala de aula, explica a orientadora educacional, Iria Lucia Oenning. Segundo ela, isso ocorreu porque o curso era oferecido apenas aos professores efetivos, não sendo estendido também aos contratados temporariamente.
O pesquisador da Unicamp em Linguísticas Aplicadas, Gustavo Nogueira, analisou a interação de duas crianças, de nove e dez anos, com os jogos September 11th e Call of Duty 4: Modern Warfare, ambos com referências aos ataques de 11 de setembro de 2001. Em sua dissertação de mestrado “A prática de jogar videogame como um novo letramento”, Nogueira monitorou a capacidade de compreensão dos meninos, observando as estratégias de leituras utilizadas.
Embora tenham executado devidamente as tarefas de jogador, não conseguiram compreender o contexto histórico dos jogos. A mesma atividade foi promovida com 20 crianças simultaneamente, mas dessa vez, com intervenções que incitaram o debate e o aprofundamento da temática. “Ficou evidente que sem o professor ou o mediador o conteúdo educacional fica em segundo plano”, constata. Para ele, o educador deve provocar o jogador a refletir sobre o que ele está fazendo, em qual contexto e questionar suas escolhas.
Além da escola
Nogueira acredita que os jogos podem também extrapolar as disciplinas curriculares e ser utilizados pelos professores para fomentar uma discussão mais aprofundada das novas tecnologias. “Se há um jogador mais crítico, eles mesmo vão questionar a violência excessiva de alguns jogos. Mas se não, eles serão meros consumidores das grandes produtoras, porque não há nenhum lugar que os ensine a lidar com essa mídia.”
Vince Vader concorda com o pesquisador e acrescenta ainda que “faltam pesquisas acadêmicas sobre como essas atividades agem na mente dos jogadores”. Para ele, o investimento mais amplo do mercado nacional, dos governos e de instituições, aliado ao avanço dos estudos na área são fundamentais para o aproveitamento do potencial educativo dos jogos, sejam eles físicos ou digitais.