Livro para adolescentes é entregue a crianças em SP
Folha Online, 28 de maio de 2009
A obra, uma coletânea de poesias, tem frases como “Nunca ame ninguém. Estupre.”
Volume faz parte do mesmo programa da rede estadual de ensino que teve um livro recolhido por conter palavrão e conotação sexual.
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo de São Paulo enviou a alunos de terceira série (faixa etária de nove anos) um livro feito para adolescentes, que possui frases como “nunca ame ninguém. Estupre”.
A coletânea de poesias faz parte do mesmo programa de melhoria da alfabetização que teve um livro recolhido por conter palavrões e expressões de conotação sexual: “Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol”, também distribuída para a terceira série.
A nova obra, “Poesia do Dia – Poetas de Hoje para Leitores de Agora”, foi enviada às escolas há cerca de duas semanas para ser usada como material de apoio. Foram distribuídos 1.333 exemplares.
“Não é para crianças de nove anos. São várias ironias, que elas não entendem”, afirmou o escritor Joca Reiners Terron, autor do poema mais criticado por professores da rede, chamado “Manual de Auto-Ajuda para Supervilões”. Alguns dos versos são “Tome drogas, pois é sempre aconselhável ver o panorama do alto”; e “Odeie. Assim, por esporte”. “Espero que o Serra [governador José Serra] não ache o texto um horror, como ele disse do outro livro. Horror é quem escolhe essas obras para crianças”, disse Terron.
Em nota, a direção da Abril Educação (responsável pela Ática) afirma que o livro é recomendado para adolescentes de 13 anos, “indicação reforçada na contracapa, na apresentação e no suplemento ao professor”.
Após questionamento da Folha, a Secretaria da Educação da gestão José Serra (PSDB) decidiu ontem retirar os livros das salas de aula. Os exemplares, no entanto, permanecerão nas escolas, para consulta de alunos mais velhos. O entendimento é que os assuntos do poema devem ser abordados na escola, mas com supervisão de um especialista. A secretaria não esclareceu como é feita a escolha dos livros. A sindicância aberta para apurar o caso do outro livro ainda não foi concluída.
Críticas
Professor da Faculdade de Educação da USP, Vitor Paro afirma que a escolha do livro para crianças de nove anos “é produto da incompetência e ignorância do governo”. “Por que os livros só foram retirados após o jornalista questionar? A análise não deveria ter sido feita antes?”, diz.
A coordenadora do curso de pedagogia da Unicamp, Angela Soligo, classifica como “um horror” o poema. “Tem uma ironia que talvez só o adulto entenda. É totalmente desnecessário para uma escola.” “Já é o segundo caso. Os professores ficam inseguros com o material”, disse ela.
Outro lado
Secretaria diz que programa requer “ajustes”
DA REPORTAGEM LOCAL
A Secretaria da Educação admitiu que o programa Ler e Escrever, que usa os livros criticados, precisa de “ajustes”. Afirmou, porém, que o projeto tem tido bons resultados -cada aluno, diz, poderá ter acesso a até 200 títulos.
Sobre a nova obra criticada, afirma que ela se refere a assuntos que “o noticiário aborda, as crianças estão expostas”. “A escola precisa tratar desses temas. Mas com supervisão”, afirmou a diretora de projetos especiais da FDE (fundação da secretaria responsável pela compra), Claudia Aratangy. A Folha solicitou entrevista com o secretário Paulo Renato Souza, mas não foi atendida.
Durante a entrevista, na tarde de ontem, Aratangy disse que analisava retirar o livro das salas de terceira série e deixá-lo para os alunos mais velhos, com supervisão. Mais tarde, a assessoria de imprensa afirmou que a decisão já havia sido tomada. “O poema é uma ironia, não está incentivando uso de drogas ou os crimes. Mas ele precisa de uma mediação para ser lido”, afirmou Aratangy.
Questionada se o critério não deveria ter sido definido antes do envio do material às escolas, ela afirmou que “foi feita análise, mas algumas coisas passaram”.