Jornal do Trem – Box: Renan Monteiro
Proposta quer acabar com a ‘doutrinação’ ideológica nas salas de aula
A educação brasileira tem sido uma das principais pautas dos últimos meses. Desde o final de 2015, quando o movimento estudantil tomou as ruas – principalmente de São Paulo – contra a reorganização das escolas, a comunidade escolar ganhou força na luta por melhores condições de ensino.
Recentemente, outra pauta ganhou a visibilidade dos profissionais da área de educação. O projeto de lei ‘Escola sem Partido’ entrou na discussão e tem gerado descontentamento por parte de professores, alunos e especialistas na área. O principal objetivo da proposta é acabar com a “instrumentalização do ensino para fins políticos, ideológicos e partidários” nas salas de aula.
Para alguns especialistas, a medida é extremamente conservadora e não beneficiará os alunos – que precisam aprender, além das disciplinas recorrentes, temas transversais. Para os apoiadores do projeto, essa é uma maneira de acabar com a doutrinação política-ideológica que, segundo eles, está ocorrendo nas instituições de ensino do Brasil.
O projeto
O coordenador da organização “Escola sem Partido”, Miguel Nagib, diz que a proposta é uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação política-ideológica das escolas brasileiras. O foco, segundo ele, é acabar com o abuso da liberdade de ensinar dos professores.
“Além de não se confundir com liberdade de expressão, a liberdade de ensinar obviamente não confere ao professor o direito de se aproveitar da presença obrigatória dos alunos para promover suas próprias agendas políticas, ideológicas, partidárias, religiosas ou morais”, afirmou Miguel.
Segundo ele, as críticas que o projeto está recebendo são infundadas, pois a intenção da proposta é alertar os alunos sobre os reais deveres dos professores em sala de aula.
“É preciso evitar que as escolas sejam transformadas em campos de guerra cultural e ideológico. Ou o estado adota medidas concretas para despolitizar o ambiente escolar, ou as tensões, paixões e disputas tornarão impossível o ensino e o aprendizado”, alerta Miguel.
Ao ser questionado sobre como a organização chegou a conclusão de que há esse tipo de ‘doutrinação’, Miguel afirmou que há dez anos estão colhendo provas e experiências. Além disso, a organização se baseia em uma pesquisa realizada em 2008 pelo Instituto CNT/Sensus, que, segundo Miguel, comprova a realidade no sistema educacional.
Porém, até o momento não existe um estudo concreto que comprove, de fato, que esse tipo de instrumentalização do ensino aconteça nas instituições de ensino.
Críticas ao método
Apesar de a organização afirmar que é completamente apartidária – ou seja, que não tem nenhuma ligação com partido político – a proposta tem sido alvo de críticas pela comunidade escolar. Os profissionais de educação, que são contra o projeto, afirmam que esta é a “Lei da Mordaça” e que a proposta irá afetar, diretamente, a liberdade de expressão dos professores e dos alunos.
“Eu sou totalmente contra. O projeto é inconstitucional e significa a volta da censura. Educar é transmitir cultura e cultura inclui a ciência, a arte, valores e ideias. A cultura não é neutra, nem única. Nem mesmo a ciência mais exata existe sem divergências e debates”, afirmou Marília Carvalho, professora da Faculdade de Educação da USP.
Segundo Marília, a ‘doutrinação’ não existe nas salas de aula. “Vejo exatamente o contrário. Nas escolas de educação básica – que são laicas, isto é, não podem ter compromisso com religião – cresce exatamente a ‘doutrinação de direita’, ligada a diferentes igrejas. Há estudos de sociologia da educação mostrando isso”, afirmou a professora.
Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do Todos pela Educação, afirma que o movimento é contra o projeto ‘Escola sem Partido’. “A proposta fere a constituição. É um projeto conservador, que prevê uma identidade única nas instituições de ensino. Falar que há uma doutrinação política-ideológica é errado”, afirmou Ricardo.
Segundo o representante do Todos pela Educação, o professor não é apenas um mero transmissor, ele deve debater constantemente várias questões transversais na sala de aula.
O futuro da educação
Segundo Marília de Carvalho, a educação pública, em todos os níveis, já está sofrendo com cortes de verba e falta de recursos. Além disso, afirma que o Plano Nacional de Educação não está sendo cumprido, o que deve piorar a qualidade de ensino. Porém, ela afirma que os movimentos de jovens estudantes que ocupam escolas para exigir educação de qualidade em todo país mostram que há esperança de possíveis mudanças no futuro.
Vale ressaltar que a educação de excelência exige um debate constante da comunidade escolar junto aos governos federal, estadual e municipal. A educação é um direito de todos, independente das questões políticas-ideológicas. O aprendizado do aluno deve estar sempre em primeiro lugar.