Ministério da Educação elabora base curricular comum para cada etapa e que deverá ser seguida por todo o País
A criação de um currículo mínimo – e igual – para todos os estudantes brasileiros levanta polêmica entre pesquisadores, pedagogos e gestores há anos e, agora, preocupa o Ministério da Educação. Apesar de o país possuir documentos que orientam a organização das etapas de ensino, o MEC recrutou especialistas para elaborar uma nova base curricular comum.
Para o secretário de Educação Básica do MEC, Romeu Caputo, esse é um processo “natural” depois de as Diretrizes Curriculares Nacionais terem sido aprovadas. Nos últimos 15 anos, integrantes do Conselho Nacional de Educação (CNE) debateram o assunto e elaboraram as orientações para cada etapa de ensino. Mas a avaliação é de que elas são insuficientes.
“Não teríamos como discutir essa base comum, cuja criação está determinada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sem as diretrizes. Esse é um segundo passo, que vem de uma constatação a partir do diálogo do governo com sociedade e a academia: a de que nós poderíamos e deveríamos detalhar mais as orientações curriculares”, afirma Caputo.
A constatação do secretário foi repetida por diferentes participantes de congresso educacional promovido na última semana pelo movimento Todos pela Educação em Brasília. Nos debates, que não eram sobre o tema, a organização curricular foi bastante citada. “Hoje, o discurso em educação já é mais coeso em torno do professor, dos currículos, da avaliação”, acredita Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos pela Educação.
Paula Louzano, pedagoga e doutora em Política Educacional pela Universidade de Harvard, resume a argumentação de quem defende o estabelecimento de currículos mínimos mais detalhados. “É uma garantia de direitos. Todos precisam aprender a mesma coisa, mas hoje o menino da periferia aprende menos. Essa diversidade está gerando desigualdade”, critica.
Para a pesquisadora, estabelecer o que todo estudante brasileiro, de qualquer canto do país, tem de aprender não restringe o trabalho da escola. A perda de autonomia do professor e o receio de desvalorização do conhecimento regional são os argumentos de quem critica a definição de uma base curricular nacional.
“Temos de quebrar o paradigma. Esse discurso (de que padrão é desnecessário) é conservador, porque mantém o status quo. E ninguém nega que o professor tem de ter liberdade para ensinar. Mas ele precisa saber o quê”, afirma Paulo, que é professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Ela ressalta que as orientações atuais são vagas.
Orientação para políticas
Além de orientar o trabalho dos docentes, a base curricular comum ajudará a definir políticas públicas. A análise, feita pelo secretário Romeu Caputo, se baseia nos programas conduzidos pelo MEC de formação de professores, aquisição de livros didáticos, avaliação nacional. Para Paula, é incoerente o país ter criado avaliações antes do currículo. “É uma inversão”, diz.
“A base não será uma camisa de força para os sistemas locais, mas ela deve ser suficientemente detalhada para orientar as políticas nacionais do MEC. O nível de detalhe é o que estamos discutindo nesse grupo de trabalho, que reúne gestores, especialistas, pesquisadores”, conta Caputo. O documento não tem data para ficar pronto.
As diretrizes atuais falam do tipo de educação que o Brasil deseja – para a inovação, valorizando a cidadania, os direitos humanos, contemplando o direito à entrada na universidade e no mundo do trabalho e valorizando a interdisciplinaridade de conhecimentos – mas não especifica, por exemplo, quais conteúdos ajudariam a alcançar esses objetivos.
O secretário acredita que, mais importante do que o documento, será debater essa ideia com os educadores. Os especialistas reconhecem que esse é um tema difícil, porque choca diferentes interesses. “Em minha trajetória como secretário de educação, nunca vi esse debate convergir. É um assunto espinhoso, que sempre teve resistência”, conta Binho Marques.
Marques foi secretário municipal e estadual de educação, governador do Acre e, agora, atua como secretário de Articulação com os Sistemas de Ensino do MEC. Para ele, a educação brasileira crescerá em qualidade quando os sistemas de ensino – municipais, estaduais e federal – se alinharem em currículos, formação de professores e avaliação. “Nessa ordem.”
“A escola tem de ter autonomia, mas não pode fazer o que quiser. O que o país pensa e quer para os seus filhos precisa ser contemplado em uma base curricular comum”, defende.
Discórdia na nomenclatura
No Ministério da Educação, os debates evitam falar em currículo nacional para não criar mais polêmica. Ainda há muitas discussões entre gestores e especialistas por causa da diversa nomenclatura utilizada por cada um: base nacional comum, padrão, currículo mínimo, orientações curriculares, diretrizes.
“Autonomia sem ancoragem é abandono. Um professor não pode fechar a porta da sala de aula e fazer o que quiser lá dentro, mas também não faremos uma sociedade transformadora sem autonomia da sala de aula, de professor e alunos. Não se deve confundir isso”, opina o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques.
O conselheiro do CNE Francisco Córdão, que elaborou muitas das diretrizes acredita que o país não precisa de mais documentos, mas reconhece que o currículo é tema pouco debatido na sala de aula. “As orientações precisam ser colocadas em prática e o currículo escolar é fundamental para ajudar o professor”, diz.
Caputo garante que as novas propostas não mudarão por completo a estrutura dos currículos atuais. Houve muita especulação, por conta de declarações do ministro Aloizio Mercadante, de que uma reforma curricular radical seria realizada. “O que estamos induzindo é o que já acontece no ensino médio inovador, por exemplo, baseados nas diretrizes atuais”, conta.
As experiências de escolas que aderiram ao projeto inovador coordenado pelo MEC são de escolas em tempo integral, que promovem integração de disciplinas, valorizam artes, esportes, preparação para o trabalho. “Não vamos impor currículo, mas promover mudanças e soluções”, afirma Caputo.