Porvir – 05/12/14 – POR MARINA MORENA COSTA
Fábio Mendes, autor de “A Nova Sala de Aula”, defende ensinar alunos a aprender por conta própria
Como alternativa à tradicional aula expositiva, Fábio propõe a adoção de oficinas de estudo. Com o método, os conteúdos se tornam meio para o desenvolvimento da autonomia no aprendizado e, a sala de aula, o ambiente. Durante o processo, o professor deve apresentar o material que servirá de base para o estudo (textos ou o próprio livro didático), explicar o método passo a passo, e acompanhar a prática, orientando os alunos. Ao final, os estudantes produzem as sínteses e fazem exercícios atestando se avançaram no aprendizado.
“O ponto principal é fazer com que eles (estudantes) notem que conseguem aprender por conta própria. Não é o professor que ensina, mas eles que aprendem. Quantas aulas os alunos têm sobre como estudar? Isso não faz parte do currículo escolar. E quantas vezes ao longo da vida escolar demanda-se que eles estudem? Você se motivaria a fazer uma atividade que não te dizem como fazer e te cobram o tempo todo?”, questiona o autor em entrevista ao Porvir.
Em um mundo no qual os jovens estão o tempo todo em atividade, criando e avaliando conteúdos, Fábio defende que é preciso colocá-los para produzir. A lógica do estudo é quase a mesma das postagens nas redes sociais, arrisca.
Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida por telefone:
Porvir – No livro “A Nova Sala de Aula”, você defende que é preciso dar autonomia aos estudantes no processo de aprendizado para que eles desenvolvam a capacidade de construir o próprio conhecimento e consigam lidar com os desafios do nosso tempo. Como o método das oficinas atua para atrair os interesses dos alunos? O aluno desmotivado se interessa por leitura, interpretação de texto e anotações?
Fábio Mendes – Os alunos estão desinteressados, porque eles não conseguem notar no dia a dia da escola que eles produzem algo e que eles são escutados. Quando eu proponho as oficinas, a primeira questão que surge é exatamente essa. Se os alunos estão desmotivados, como vão se envolver em uma atividade na qual eles vão ter que ler, vão ter que se concentrar, vão ter que ter foco? O que faz funcionar as oficinas é, na verdade, o modo de conduzir a atividade. É essencial a movimentação do professor. Sem isso, os alunos acabam fazendo outras atividades. Se o professor mantém a circulação e conduz a oficina, com etapas muito simples, de fácil execução, esse aluno desmotivado sente que consegue fazer pequenos progressos. Eu costumo pedir para que os alunos façam uma autoavaliação anônima deles e da oficina, sobre essa atividade de tentar aprender a estudar em sala de aula. A aprovação dos alunos é massiva. Muitos comentam “por incrível que pareça, eu consegui estudar”, “o tempo passou rápido”.
Porvir – Há uma idade ideal ou série para iniciar as oficinas de estudo? Elas se aplicam melhor ao ensino médio do que ao fundamental?
Fábio Mendes – A oficina é uma forma de resgatar alunos que perderam a confiança de que podem gostar de estudar. É um modo despertar o interesse pelo conteúdo em alunos que estão completamente desconectados. Isso é típico de estudantes do ensino médio. Mas as oficinas podem ser aplicadas desde o 5º, 6º anos do ensino fundamental. O ponto principal é fazer com que eles notem que conseguem aprender por conta própria. Não é o professor que ensina, mas eles que aprendem. Quantas aulas os alunos têm sobre como estudar? Isso não faz parte do currículo escolar. E quantas vezes ao longo da vida escolar demanda-se que eles estudem? Você se motivaria a fazer uma atividade que não te dizem como fazer e te cobram o tempo todo? Esse é o centro das oficinas. Elas não precisam ser implantadas da noite pro dia, em todos os períodos, por todos os professores, com todos os conteúdos. Muito pelo contrário, pode ser uma aula especial que o professor propõe uma ou duas vezes por trimestre, mas que dá ferramentas para o aluno poder estudar por conta própria.
Porvir – As oficinas de estudo podem ter um horário específico na grade? Por exemplo, ao final do dia, os alunos tem uma hora de oficina de estudos? Ou a ideia é que toda disciplina, toda aula seja dada com a didática da oficina de estudo?
Fábio Mendes – O professor deve se sentir livre para aplicar quando ele achar necessário e no conteúdo que ele achar necessário. Não precisa ser frequente. Não precisa ter um horário determinado e os professores têm que ter livre adesão, até porque eles já estão cansados de coisas implantadas de cima para baixo. Eu tenho retorno de professores que adotaram como didática principal as oficinas de estudos, e, em algum momento, fazem uma explicação expositiva, normalmente, com base na pergunta dos alunos. Outros utilizam em alguns conteúdos, na introdução de um tema novo, para trabalhar de um modo diferente. Não tem uma ruptura com o dia a dia da escola. Isso é um ponto muito positivo.
Porvir – Você faz formação de professores em como aplicar a didática das oficinas? Como é a receptividade à didática?
Fábio Mendes – Sim. O mais importante das oficinas é a mudança de perspectiva do professor. O professor se dá conta que não adianta um aluno tirar 10 em toda vida escolar, se ele sair da educação básica sem conseguir construir o seu conhecimento com autonomia. Em oito horas de trabalho, é possível dar uma formação sobre as oficinas, elas não são difíceis de serem aplicadas, são bastante intuitivas. Alguns professores, no primeiro momento, resistem: “esse guri está querendo me ensinar a dar aula?”. Mas logo depois eles veem que não estou querendo ensinar nada para ninguém, estou apresentando uma perspectiva para trabalhar dificuldades que eles enfrentam. No final, a aprovação dos professores é maior até que a dos alunos. Entre os estudantes, a avaliação positiva do trabalho não baixa de 80%. Entre os professores, está acima de 90%. Os comentários principais são “finalmente apresentaram uma proposta que pode ser aplicada no dia a dia da escola”, e “essa formação não ficou só no discurso e mostrou como trabalhar em sala de aula”.
Porvir – A oficina de estudo mantém a disposição física da sala de aula, utiliza os mesmos materiais que há séculos são as bases da escola (leitura de texto, interpretação e exercícios, papel e caneta) e não depende da tecnologia. A revolução na educação é mais simples do que se imagina?
Fábio Mendes – Essa gurizada está acostumada a durante o tempo livre, ser ativa. Na minha época (tenho 33 anos), existia a televisão, mas a gente ficava passivo diante dela. Hoje, ao navegar na internet, os alunos publicam, curtem, e compartilham, passam adiante o conteúdo. Por isso, quando entram na sala de aula, há um contraste ainda maior do que o da minha geração. A regra geral é a seguinte: para aprender, tem que escutar. “Por favor, não sejam ativos, senão isso aqui não funciona”. Eles enlouquecem. A oficina de estudos coloca o aluno para construir. Eles se interessam pela atividade que as tecnologias proporcionam. Se a gente provoca a atividade deles dentro da sala de aula com livros, eles também se interessam e muito. Eles notam que estão compartilhando conhecimento e avaliando o que os outros acharam do mesmo conteúdo.
Porvir – Você avalia que hoje seria melhor termos um currículo mais enxuto? Como deve ser feito esse processo?
Fábio Mendes – O mais importante é formar habilidades. Não importa a lista de conteúdos aprendidos, se a pessoa não souber aprender, ela vai acabar ficando desatualizada. A reforma que precisa ser feita é muito mais didática do que curricular. Se o aluno não aprendeu a estudar por conta própria, a construir um projeto, a montar cronogramas de estudo para conduzir o seu aprendizado depois da escola, da universidade, do mestrado, do doutorado, estará despreparado para o século 21.
Porvir – Você avalia que a formação dos professores é fraca no ensino da didática?
Fábio Mendes – Em todas as formações, os professores sempre me dizem que não tiveram metodologia de estudo na faculdade. Há muita teoria na formação sobre como as inteligências são diferentes, que cada um aprende de uma forma e temos que personalizar o aprendizado, mas pouca prática. Se a gente não colocar os alunos na atividade de aprendizado, nem eles têm como saber qual tipo cognitivo eles são. Isso os professores não aprendem em sua formação. Fala-se apenas que a aula deve ser lúdica e que tem que se respeitar a diferença entre os alunos.
Porvir – Você tem uma empresa de serviços educacionais que recentemente comandou a criação de uma Mostra Científica em Nova Santa Rita (município de 25 mil habitantes, localizado a 20 quilômetros ao norte de Porto Alegre). Como foi este projeto?
Fábio Mendes – O objetivo da minha empresa, a Autonomia Soluções em Educação, é fazer projetos que desenvolvam a autonomia dos estudantes, dos professores e das escolas. Além de trabalhar com alunos sobre como estudar, como programar horários, a gente desenvolve projetos de iniciação científica, como o de Nova Santa Rita. As escolas da região nunca tiveram isso, e chegamos com o desafio de mostrar para estes estudantes que eles podem não só aprender por conta própria, como desenvolver projetos de pesquisa nos quais eles podem adquirir conhecimentos. Alguns temas foram: a saúde das pessoas do bairro, repetência escolar, relação entre namoro e estudo, o problema do lixo eletrônico, um ponto constante de alagamento próximo à escola. O trabalho durou cerca de sete meses e o resultado foi a Primeira Mostra Multidisciplinar e Feira de Iniciação Científica da cidade, com mais de 60 projetos. Isso aconteceu porque houve uma mudança de perspectiva sobre trabalhar com pesquisa e como fazer isso com ferramentas simples e acessíveis.