A fan page oficial do Black Girls Code reflete a dinâmica agitada do projeto, que a cada semana mobiliza uma comunidade diferente, em diferentes regiões do Estados Unidos. Uma mãe escreve, em inglês, numa das fotos publicadas na página da organização sem fins lucrativos, que tem como proposta ensinar meninas negras a programar: “Estou aguardando para inscrever minha filha na sessão de março, em Memphis. Quem eu posso contatar para isso?”. Em outro comentário, Lauren Burke, de Las Vegas, comemora: “Mais tecnologia acontecendo!”. Linhas abaixo e uma garota de Washington lamenta por ter perdido a oficina que aconteceu na cidade dias atrás: “Ah, não! Que raiva. Saudade de vocês. Estarei atenta para quando chegarem por aqui”. Basta descer um pouco mais a fan page e salta a imagem de uma animada garota do Sul da Flórida, que pede pela presença do grupo por lá, seguida por outra, de Ohio, que faz o mesmo.
As interações com a página, vindas de diferentes lugares dos Estados Unidos, mostram que desde 2011, quando o Black Girls Code (BGC) foi fundado pela engenheira e empreendedora social Kimberly Bryant, de Memphis, a proposta da startup se espalhou e agradou. “Pegou”, como se diz no vocabulário jovem, que é o público-alvo da iniciativa. A identidade do projeto é cool, mas o reconhecimento que vem alcançando – medido além do entusiasmo exposto no Facebook, mas também com prêmios recebidos – está no seu caráter transformador.
“Ao lançar o programa, eu sempre tive em mente fornecer para meninas e adolescentes a oportunidade de aprendizado e de desenvolvimento de habilidades valorizadas na área da tecnologia, para que elas tenham isso disponível no momento em que pararem para pensar, naturalmente, sobre o que querem ser quando crescer”, explica Kimberly Bryant, no site do projeto. Voltado para as garotas negras, na sua maioria em situação de vunerabilidade, com idade entre 7 e 17 anos, o Black Girls Code planeja e realiza oficinas de programação de curta duração em que ensinam a elas algumas linguagens de programação, como o Scratch e Ruby. Ao dar a essas meninas a chance de dominar a tecnologia e criar os seus programas, passa também a mensagem de que elas têm o poder de escolha nas suas vidas.
“De um jeito bem superficial, o projeto é exatamente o que ele diz ser: ele ensina meninas negras a programar sites e robôs. Mas, no sentido figurado, é a forma como avançamos para o futuro e mudamos o jeito de fazermos as coisas, de inovamos; é a forma como trazemos de volta a nossa essência e dominamos a cultura, já que que agora nossa narrativa está sendo deixada de lado na história”, diz Carol Fife, mãe e voluntária, no vídeo abaixo. “Para crianças tão novas, o céu é o limite para o que podem dar de retorno à sociedade”, completa ela.
Não se trata de uma escola nem de um curso regular com avaliações. Esse caráter mais informal tem favorecido o engajamento por parte das alunas interessadas em seguir programando após as aulas do BGC. Elas mantêm conversas nas comunidades on-line do Black Girls Code e seguem criando, inclusive, projetos. Em março, em Austin (EUA), durante o South by Southwest, uma das maiores conferências sobre tendências realizada no mundo, lá estava um grupo de garotas aprendizes de programação explorando o evento com um celular na mão, numa experimentação de workshop de jornalismo “mobile” e programação.
Parte dessas atividades é proporcionada às jovens graças a parcerias que os gestores do Black Girls Code encampam, como no caso do SWSX, no qual profissionais da revista Mojo reforçaram a equipe e levaram a abordagem jornalística à oficina realizada no evento (veja abaixo vídeo produzido na ocasião). É a forma de Kimberly Bryant trabalhar. Agregando pessoas e instituições alinhadas. Engenheira de formação que tem como leitura preferida o best seller “O Alquimista”, do brasileiro Paulo Coelho, ela encara construções de jornadas com pulso firme, como deixa claro em suas entrevistas, mas destaca que no caminho da construção a articulação para parcerias e engajamento verdadeiros é peça-chave.
Não há ainda quem discorde de que o Black Girls Code está no caminho certo. Além do claro processo de empoderamento de jovens negras por meio da tecnologia, o envolvimento de pais é um ponto forte. Harry Cash, que vive em Memphis, é mãe de Gabriele, 12, e em conversa com o Porvir disse que enxerga no programa uma oportunidade para a sua filha entender os “porquês” e “comos” que estão por trás da tecnologia. “Estamos num mundo interconectado, e mais do que fazer parte disso, quero que ela entenda e, se quiser fazer parte como construtora, saiba que pode ter sucesso. Isso tudo o Black Girls Code oferece”, pondera Cash, que assim como a maioria das mulheres da sua comunidade, em Memphis, não teve oportunidade de mergulhar na cultura digital com tamanho suporte, ao contrário de sua filha.
Nos seus dois primeiros anos, o Black Girls Code cresceu nos Estados Unidos. Viu suas oficinas atingirem lotação máxima de inscritos rapidamente e os convites para eventos se multiplicaram. Agora, com a metodologia aprovada pelas jovens, a busca é por expandir bases de atuação. Em 2013, um workshop já foi realizado em Joanesburgo, na África do Sul.