Folha de São Paulo
CAROLINA LINHARES / PHILIPPE SCERB
DA EDITORIA DE TREINAMENTO
A educação sempre aparece como remédio para os males do Brasil, principalmente a desigualdade social. Sem negar que mais anos de estudo melhoram a vida da população, especialistas começam, porém, a relativizar essa verdade absoluta.
“É interessante para a elite e para o governo tratar a educação como uma panaceia, porque se estabelece uma situação de inércia social. Um segmento que tem crescido muito é o de pessoas com ensino superior, que hoje supera 15% dos jovens, mas a desigualdade interna desse grupo é tremenda”, diz o economista Alexandre Barbosa, professor do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros) da USP. Para ele, a desigualdade no Brasil é estrutural e não será solucionada exclusivamente com mais investimentos em educação.
Barbosa mostra que a diferença de renda média do trabalho entre brasileiros com ensino médio e com ensino superior caiu de R$ 1.969,47 em 1995 para R$ 1.741,41 em 2009.
A redução dessa diferença, que começa a aparecer no Brasil, é uma realidade nos países desenvolvidos. Dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostram que, nos países onde há mais cidadãos com ensino superior, é menor a diferença de salário entre trabalhadores mais e menos qualificados, o que contribui para diminuir o abismo entre ricos e pobres.
Alguns economistas explicam a desigualdade no Brasil justamente por essa escassez de trabalhadores qualificados, que não preenchem a demanda por mão de obra especializada e, portanto, têm baixos salários.
Barbosa diz que essa teoria ignora o outro lado: a “sobrescolarização”. “Criou-se uma porção de universidades de fundo de quintal. O mercado não precisa dessa mão de obra, e o estudante vira atendente de lanchonete.”
Na Coreia do Sul, considerada um modelo de ensino, onde 67% da população tem diploma universitário (o maior nível entre os países da OCDE), a desigualdade de renda é elevada: os 10% mais ricos recebem 10,1 vezes mais que os 10% mais pobres. “Chegamos a uma situação de estagnação. Todos são bem-educados e têm a expectativa de conseguir bons empregos. Mas o número de oportunidades para pessoas com esse nível de educação não está crescendo”, diz o jornalista sul-coreano Se-Woong Koo, ex-professor da Universidade Stanford.
Um estudo americano comandado pelo professor de Harvard Lawrence Summers simulou uma situação em que parcela considerável da sociedade dos Estados Unidos passava a ter diploma superior para medir o efeito do aumento da educação sobre a desigualdade.
A conclusão é de que o impacto da expansão do número de graduados não seria relevante sobre a distribuição da renda –o índice de Gini, medida da desigualdade social, cairia apenas de 0,57 para 0,55.
O economista Ricardo Paes de Barros, que desenvolveu diversos estudos sobre desigualdade e educação no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), afirma que quase 40% da diferença na remuneração de trabalhadores vêm do fato de eles terem níveis educacionais diferentes. “Mas oferecer ensino de qualidade para todos não resolveria a desigualdade gerada pelos lucros advindos do capital”, afirma.
SALA DE AULA
Educadores também não veem o acesso à escola como garantia de redução da desigualdade, já que a pior escolarização dos mais pobres–que não estudam línguas, por exemplo– pesa na hora de conseguir bons empregos.
“O pobre chegou à universidade via políticas públicas, mas, mesmo com notas próximas às do aluno pagante e com o mesmo diploma, há entre eles uma diferença de capital cultural que faz falta no mercado”, diz Leda Rodrigues, professora de pedagogia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.
A semente da desigualdade entre alunos de classes sociais diferentes na universidade está nos primeiros anos escolares. “Desde o ensino básico, crianças pobres saem da escola com uma defasagem em relação às da elite porque não é só a escola que faz a aprendizagem. Elas já não têm em casa o capital cultural que vem da família”, diz Rodrigues.
O professor Romualdo de Oliveira, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, defende que a educação básica tem potencial para equalizar a diferença de capital cultural entre crianças de origens díspares, desde que o governo tenha políticas focadas em grupos vulneráveis coordenadas com outras frentes de ataque à desigualdade de renda. “No atacado, o sistema hoje ou é neutro ou acentua a desigualdade de origem. Ele não vai combatê-la se não tem elementos para garantir educação de qualidade para todos e principalmente para os mais pobres”, diz Oliveira.
De fato, uma pesquisa do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ação Comunitária) comprova que crianças com o mesmo capital cultural, em escolas cujo entorno é mais vulnerável, como as de periferia de grandes cidades, apresentam menor rendimento.
“O impacto da vulnerabilidade do território no desempenho escolar do aluno pode gerar desigualdade”, afirma Vanda Ribeiro, autora do estudo.
Paes de Barros defende que o governo federal invista para reduzir a diferença de gasto por aluno entre estados e municípios com mais e menos recursos. “Por que a gente padronizou o serviço bancário pelo país e não a educação? É preciso dar a todas as escolas a mesma infraestrutura”.