Revista Gestão educacional – 04/02/2013
Fabio Torres
Cada vez mais presentes no cotidiano, as tecnologias têm alterado o modo de pensar e de estudar dos jovens – algo que, segundo a diretora técnica do Instituto Crescer, Luciana Allan, ainda não foi assimilado totalmente pelas escolas brasileiras. Com base nos ensinamentos da neuroeducação, Luciana defende que o papel do professor agora é muito mais de mediação das informações do que apenas de transmissão delas. No entanto, ela ainda acredita que são necessárias mudanças tanto na estrutura da escola como também na formação dos professores para a adoção plena das tecnologias na educação. Leia a seguir a entrevista exclusiva concedida por Luciana para a Gestão Educacional.
Gestão Educacional: A inserção das tecnologias no cotidiano das crianças mudou a forma como elas pensam. Quais são as mudanças que as tecnologias promoveram no processo cognitivo das crianças?
Luciana: O cérebro vem passando por uma evolução nos últimos tempos, com base na quantidade de informação processada e dos estímulos que são dados, tanto que há uma expansão de 20% do córtex cerebral das pessoas por conta disso. O fato de as crianças estarem expostas cotidianamente a uma série de recursos multimídia tem feito com que elas aprendam de uma forma diferente da que nós aprendemos, que era muito mais cartesiana, linear e baseada na leitura e escrita. Hoje, a forma como as crianças aprendem está muito mais embasada nos estímulos visuais, o que traz uma nova necessidade de o professor repensar o trabalho que faz em sala de aula e trazer cada vez mais as tecnologias para o cotidiano escolar. O fato de a criança ter estímulo visual, interagir com uma quantidade muito maior de informações e conseguir lidar com diferentes recursos tecnológicos não quer dizer que ela está aprendendo. O papel do professor é muito importante nesse processo. Teve uma pesquisa em que colocaram um grupo de crianças numa sala onde só tinha uma televisão, passando uma programação, e outro grupo, numa outra sala, onde tinha a TV e outros estímulos. Ao final, perguntou-se para as crianças o que elas lembravam que tinham visto e ambos os grupos lembravam-se das mesmas coisas. Ou seja, apesar de elas estarem expostas a uma quantidade enorme de informações, elas param muito menos para refletir e prestar atenção naquilo que estão vendo. O educador precisa fazer com que essas crianças reflitam sobre os processos e não simplesmente saiam usando tecnologia.
Gestão Educacional: E quais tipos de práticas que façam uso dessas novas habilidades das crianças o professor pode usar em sala de aula?
Luciana: Os professores devem ter cada vez mais em mente que é preciso trabalhar as competências das crianças e tirar um pouco o foco do conteúdo. Ele [o professor] tem que trabalhar competências de leitura e escrita, de raciocínio lógico, de comunicação, relacionamentos interpessoais, administração do tempo. E para isso você tem diversas tecnologias que podem colaborar nesse sentido. [Saber] qual é a melhor tecnologia para cada momento vai depender muito da estratégia de ensino que o educador quer promover. Não adianta a gente pensar que o caminho inverso é o caminho adequado. Como ainda não há muita clareza sobre a intencionalidade do que se quer fazer e há uma demanda muito grande, uma cobrança tanto da gestão como dos pais para que isso ocorra, os professores acabam às vezes se atropelando e fazendo um processo inverso. Muitas vezes isso acaba otimizando o péssimo: aquilo que já não era bom acaba se tornando pior, e a aula tende ao fracasso. Aí sim aquela preocupação que a gente tem que os alunos acabem entrando em sites que não deveriam acaba se tornando muito mais evidente. Se você não tiver muito claro o objetivo daquela aula, o trabalho que tem que ser feito, o aluno vai sair clicando por aí. Agora, se você tiver uma aula muito bem planejada, ele vai focar no que tem que fazer.
Gestão Educacional: Além das tecnologias, quais outros recursos os professores podem utilizar com as crianças para estimular essas competências?
Luciana: Eu acredito muito no trabalho com projetos. Ele possibilita que os alunos estejam envolvidos num desafio que pode acontecer de forma colaborativa, estimulando os relacionamentos, a administração do tempo, o foco na pesquisa, o uso de tecnologias para apresentar seus projetos e o processo próprio de produção de textos e de oralidade. Tudo isso acaba sendo possível quando você trabalha com projetos. Os alunos gostam disso. Se você sabe apresentar bem um projeto, de uma forma lúdica, envolvendo eles num contexto que tenha a ver com o mundo real – por exemplo, a simulação de uma redação de jornal, de um tribunal ou de um grupo de pesquisas de uma universidade ou da NASA [Agência Espacial Norte Americana] –, e eles têm ali um papel muito bem definido, eles acabam se envolvendo naquela atividade, trabalhando muito bem em equipe e desenvolvendo suas competências. O mercado está pedindo pessoas com essas competências, e se a gente só tem foco no conteúdo, na transmissão de conhecimento, estaremos perdendo essa oportunidade, não preparando esse jovem para isso.
Gestão Educacional: Com a internet, os alunos adquirem conhecimentos – didáticos ou não – muito antes do professor. Qual deve ser o papel do professor nesse cenário, em que ele não é a única fonte de conhecimento da criança e do adolescente?
Luciana: O educador tem que ser ainda mais o moderador desse processo de aprendizagem. O fato de o aluno ter o acesso à internet não quer dizer que ele tem acesso a uma informação qualificada, que ele ache a informação mais adequada. Há todo um trabalho que deve ser feito de orientação para pesquisa, para identificar se um site é confiável ou não, de uma preocupação que se tem que ter com direitos autorais, com [a forma de] referenciar essas fontes de informação que vêm da internet. Eles não sabem como fazer isso, e é papel do professor ensinar aos estudantes [essas práticas]. Então, o fato de eles estarem navegando na internet, novamente, não quer dizer que está havendo um aprendizado adequado. É necessário todo um processo de orientação para isso, o que é papel do professor.
Gestão Educacional: O professor está preparado para essa orientação?
Luciana: Não, o professor ainda não consegue entender muito bem o papel dele nesse novo processo, com raras exceções. Eles [os professores] ainda estão com um pensamento, com uma preocupação muito maior de que o aluno esteja fazendo “cópia e cola” e jogando essa culpa no aluno. A pergunta é: em que momento o professor parou e orientou aquele aluno a não fazer “cópia e cola”? A tendência inicial do aluno é fazer isso, é o primeiro movimento que ele tem de aprendizado. Para ele, aquilo é suficiente, e aí o aluno fica até indignado quando o professor desvaloriza aquilo que ele fez. Mas em que momento ele foi orientado? Esse professor sentou junto, mostrou como fazer uma pesquisa, usar os recursos avançados de pesquisa de um sistema de busca, identificar quem é o autor daquela informação? Aí sim, a partir do momento em que você dá todas essas orientações, você pode cobrar do aluno que copiou e colou.
Gestão Educacional: As escolas estão preparadas para esse novo tipo de aluno, que está acostumado a receber vários estímulos, que tem um pensamento muito mais rápido do que antigamente?
Luciana: Não, elas ainda não estão. É fato que a gente vive num momento de transição. Nós temos a internet, que é a grande mudança, a meu ver, nesse processo todo. Ela trouxe uma nova forma de acesso à informação. Antes, o conteúdo que se aprendia na escola ou na universidade era suficiente ou quase que suficiente para você ingressar no mercado de trabalho e exercer uma profissão ao longo da vida. Hoje, o que se considera “verdadeiro” já não é mais amanhã. Os conceitos estão sendo continuamente revistos, e a informação é atualizada o tempo inteiro; e por conta do quê? Por conta da internet. A velocidade com que as informações estão surgindo é muito maior, e isso trouxe uma nova dinâmica para a sala de aula, porque antes você tinha um livro didático, que se seguia do começo ao fim, e isso era suficiente. Hoje, você tem esse mesmo livro didático e, dependendo da descoberta que foi feita, a informação que está ali não é nem mais verdadeira. Então, isso tudo trouxe uma nova dinâmica, e as pessoas ainda estão buscando formas de lidar com tudo isso. E o sistema de ensino ainda é muito “quadrado”, antiquado. O nosso sistema de ensino ainda valoriza o vestibular, o pai ainda cobra a escola para que ela prepare o aluno para ele entrar numa universidade, as provas ainda estão embasadas em conteúdos, a estrutura em que estamos organizados é em grade curricular, nós temos aulas compartimentadas: uma de Português, uma de História, outra de Geografia… A gente tem toda essa estrutura, e as escolas ficam tentando levar essas ferramentas para dentro de um sistema que não atende mais a essa demanda. Você pensa numa estratégia de ensino e quer usar a tecnologia para o aluno pesquisar, mas aí tem que parar tudo, tem que trazer aquela estrutura para a sala de aula ou levar os alunos para o laboratório. Tudo isso dificulta também a organização.
Gestão Educacional: E falta formação adequada para os professores?
Luciana: Acesso à tecnologia, todo mundo tem. Tem pesquisas que mostram que quase todo professor tem um computador. Para fins pessoais, ele sabe utilizá-lo, usar o Word, acessar a internet, ler e-mails, acessar redes sociais… Então dizer que o professor não tem o conhecimento mínimo não faz mais sentido. O xis não está mais nessa questão. A questão está na dificuldade de levar isso para dentro da sala de aula. E essa dificuldade está na falta de conhecimento para fins educacionais, na falta de tempo para fazer uma aula bem planejada, pois você tem que parar, avaliar os recursos, usar o software, e o professor não tem esse tempo nem na rede pública, nem na particular. Falta infraestrutura de apoio para o professor em muitos casos, e falta espaço para que tudo isso aconteça. A falta de adoção das tecnologias não está mais nem no fato de o professor saber ou não mexer no computador. E as escolas estão cada vez mais numa corrida insana atrás de novos recursos quando, na realidade, não está conseguindo nem lidar com o recurso anterior. Nem sabemos trabalhar com o computador e já se está pensando no tablet. Não sabemos usar o tablet e já estamos pensando na lousa digital. Estão colocando toda aquela parafernália, exigindo que o professor use, mas em que momento esse professor pode parar, refletir e entender como pode usar esse recurso?