Jornal O Globo – POR EDUARDO VANINI / VIVI FERNANDES DE LIMA – 30/08/2015
RIO – A regra do jogo é simples: um grupo de professores, cada um com um copo vazio. Quando se deparam com situações que podem causar irritação, despejam um pouco de líquido no copo. Indisciplina, agressividade e desatenção são situações corriqueiras em sala de aula, mas, para muitos deles, podem fazer transbordar o copo. Esta é uma das atividades realizadas pela equipe do programa Cuca Legal em 17 colégios do estado de São Paulo. O objetivo é mostrar para os docentes do ensino fundamental a importância da educação emocional e promover a saúde mental nas escolas. Na base dos exercícios está a neurociência.
— Os professores aprendem como o cérebro funciona, como é provocada a empatia e como o controle de impulsos impacta no aprendizado — diz a neuropsicóloga e coordenadora do projeto, Adriana Fóz. — Se o professor não estiver atento à estrutura cognitiva e emocional do aluno, o aprendizado fica comprometido. É preciso olhar para essas duas áreas. O estudante que controla melhor seu impulso terá um aprendizado mais competente.
As experiências do Cuca Legal — formado por uma equipe ligada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) — serão apresentadas como estudo de caso no encontro internacional Educação 360, que acontece nos dias 11 e 12 de setembro na Escola Sesc de Ensino Médio, em Jacarepaguá. O evento é realizado pelos jornais O GLOBO e “Extra”, em parceria com prefeitura do Rio e Sesc, e conta com apoio da TV Globo e do Canal Futura.
MENOS MEMORIZAÇÃO
Além de conhecer especificidades sobre emoções básicas, como tristeza, alegria, raiva e medo, os educadores aprendem a identificar nos alunos comportamentos mais comuns que devem ser contornados. Segundo Adriana Fóz, após esta identificação, o docente deve ver se sua aula é de fato motivadora:
— Tem professor que não percebe que o aluno precisa de uma nova abordagem para aquela aula, comporta-se como se soubesse tudo e o aluno, nada. Se o problema não for a aula, ele pode encaminhar o aluno para alguma orientação.
Ney Pereira, especialista em neurociência pedagógica e professor da Fundação Getúlio Vargas, concorda. Por isso, criou o Professor Nota 10, que capacita professores em comunicação, para que suas aulas se tornem mais atraentes. O programa já foi adotado em 32 escolas de tempo integral da rede estadual de São Paulo.
— Para prestar atenção em algo, o cérebro está sempre lutando contra os próprios pensamentos e elementos visuais que possam causar distração. Saber os melhores caminhos para o cérebro assimilar informações reforça a necessidade de se combater um modelo de ensino que reduz a aprendizagem à memorização — explica Pereira.
De acordo com pesquisa realizada pela Fundação Lemann com professores do ensino fundamental da rede pública, a falta de acompanhamento psicológico e a indisciplina lideram a lista de fatores que precisam ser enfrentados com maior urgência nas escolas. Pesquisadora do tema, a psicopedagoga e escritora Marta Relvas acredita que a neurociência potencializa a inteligência dos alunos. Ela lembra que, ao longo de 35 anos de atuação como professora no ensino fundamental, buscou experiências nesse sentido para aprimorar os resultados obtidos em sala de aula.
— Através de jogos, dramatizações e estabelecimento de relações de confiança e afetividade, alcancei índices baixíssimos de reprovação — recorda-se. — O professor precisa encontrar o estilo de aprendizagem de cada um e trabalhar uma mesma informação de maneiras diferentes. O primeiro passo é buscar as individualidades dos estudantes. E isso dá muito trabalho.
INVESTIMENTO EM MÚSICA
Na rede particular, o Colégio Santa Maria, em São Paulo, é um dos exemplos que investem na neurociência. Para fazer um bom uso dela, profissionais da escola passaram por três anos de capacitação com uma especialista. Um dos resultados foi o maior investimento em música, da alfabetização ao 5º ano do ensino fundamental.
— A música abre muitas conexões para a memória de longo prazo, que é a que fixa a aprendizagem — conta a orientadora pedagógica do colégio, Sueli Gomes. — Usamos esse recurso para a assimilação de padrões de leitura, por exemplo, e temos alcançado ótimos resultados de rendimento.
Segundo a neurocientista Elvira Souza Lima, responsável pela capacitação dos professores, práticas ligadas à música também contribuem para a melhora da sociabilidade dos alunos:
— Cantar, ouvir música ou aprender um instrumento causam impacto muito grande no desenvolvimento da empatia. É importante para promover comportamentos de solidariedade e cooperação e evitar situações de agressão, característica do bullying.
Para o professor do Departamento de Estudos da Subjetividade e Formação Humana da Uerj, Nilson Guimarães Doria, a neurociência, no atual estágio de desenvolvimento, mais reafirma ideias já defendidas pela psicologia cognitiva e pela educação do que traz novidades. Ainda assim, pode ser muito útil a educadores.
— A neurociência deveria estar mais presente na formação de professores por vários motivos, a começar pelo próprio interesse dos profissionais. Por outro lado, é preciso que os educadores conheçam as limitações do campo, pois ele é muitas vezes apresentado como uma espécie de “panaceia universal” — alerta.