Público Comunicação Social – José Morgado – 29/03/16
Um estudo agora divulgado desenvolvido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos com o apoio do Conselho Nacional de Educação analisou a relação entre a frequência do jardim-de-infância e o trajecto escolar dos alunos. O trabalho teve como base alguns dos dados do PISA.
Sem surpresa, os resultados estão de acordo com outros indicadores nacionais e internacionais, a taxa de retenção pelo menos uma vez até aos 15 anos para quem frequentou jardim-de-infância no mínimo um ano é de 29% enquanto para os alunos da mesma idade que não tiveram a experiência em educação pré-escolar a percentagem dos que reprovaram pelo menos um ano é de 46%.
Face a estes dados importa não esquecer que Portugal apresenta uma das mais altas taxas de retenção da OCDE.
É também de registar a subida muito significativa da população abrangida por educação pré-escolar embora a frequência ainda revele alguma assimetria social, em 2012, 94% das famílias com estatuto socioeconómico mais elevado colocavam os filhos em idade pré-escolar num estabelecimento de ensino enquanto nas famílias com mais baixo estatuto a taxa é de 80%.
Neste cenário é importante o movimento de universalização do acesso à educação pré-escolar iniciado pelo Governo anterior e assumida a sua continuidade e extensão pelo actual Governo. No entanto, como sabemos, em Portugal a universalidade em educação é entendida como algo indicativo e não imperativo pelo que certamente muitas famílias continuarão a experimentar sérias dificuldades na acessibilidade económica e física aos equipamentos de educação pré-escolar.
A alteração dos estilos de vida, a mobilidade e a litoralização do país, levam à dispersão da família alargada de modo a que os jovens casais dependem quase exclusivamente de respostas institucionais que ou não existem ou são demasiado caras. Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças. Em resultado desta situação, muitas famílias carenciadas estão a sentir uma enorme dificuldade em manter as crianças a frequentar os estabelecimentos de educação pré-escolar como nos últimos anos tem sido referido por responsáveis de muitas instituições.
Sabemos todos, os dados agora divulgados vão também nesse sentido, como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que …
No entanto, gostava de chamar a atenção para um aspecto que me parece justificar alguma ponderação. Tem vindo a instalar-se uma pressão crescente para que as crianças realizem aprendizagens escolares mais cedo, logo no jardim-de-infância. A esta pressão para a antecipação das aprendizagens escolares soma-se a pressão para que atinjam desempenhos de excelência em múltiplas áreas.
Há algum tempo o Diário de Notícias fazia referência a um estudo realizado nos EUA, sugestivamente intitulado “O jardim-de-infância é o novo primeiro ano?”, no qual se evidenciava que o que se esperava das crianças de 6 anos é hoje esperado, eu diria exigido, mais cedo.
Este movimento que causa algumas preocupações está também bem presente nas nossas comunidades educativas.
Na verdade, associada a mudanças nos padrões de vida, nos valores e às dificuldades genéricas que enfrentamos, tem vindo a instalar-se de forma discreta mas muito sólida em muitos pais, frequentemente acompanhados pelas instituições educativas, uma atitude e um discurso de exigência e de pressão para a excelência no desempenho das crianças, a começar pelos resultados escolares. Dito de outra maneira, as crianças são cada vez mais pressionadas para a produção e alto nível de rendimento e cada vez mais cedo pois, supõe-se, ganharão vantagens.
Esta visão e, sobretudo, as suas potenciais consequências nas práticas desenvolvidas, comprometem desde logo o cumprimento dos objectivos e função da educação de infância que não deve ser vista como a “preparação para a escola” e, muito menos, como “o primeiro tempo de escola”. Esta perspectiva desvaloriza a verdadeira função e contém riscos para o desenvolvimento das crianças e, sim, também para o seu sucesso educativo e escolar.