Especialistas veem falhas e sugerem melhorias para proposta de currículo da educação básica

O Globo – POR EDUARDO VANINI / RAPHAEL KAPA / RENATA MARIZ  – 17/09/2015

Para educadores, faltam clareza e fundamentação em rascunho divulgado pelo MEC. Disciplina de História ficou sem conteúdo

BRASÍLIA E RIO – Diálogo entre disciplinas, espaço para regionalização, possibilidade de escolhas no ensino médio. Os objetivos explícitos na proposta de Base Nacional Comum Curricular (BNC), divulgada ontem pelo Ministério da Educação (MEC), são louváveis. Mas, de acordo com especialistas que analisaram o documento, ainda há muito trabalho a ser feito até se chegar à versão final do currículo que norteará o conteúdo de todo o ensino básico no país. Eles levantam diferentes fragilidades do rascunho, que, por exemplo, foi divulgado ainda sem o conteúdo referente à disciplina de História. A falta de clareza e a pouca atenção à alfabetização foram outras críticas levantadas, mas, em geral, reconhece-se a importância de um currículo nacional unificado.

Profissionais da área de educação, que vinham observando de perto a elaboração do rascunho do BCN, agora esperam participar ativamente das mudanças pelas quais o documento vai passar até sua versão definitiva, que pode ser aprovada no primeiro semestre de 2016. Atualmente, o MEC estipula apenas diretrizes de ensino que as escolas não têm a obrigação de seguir. A expectativa é que o currículo final determine cerca de 60% do que um aluno deve aprender da educação infantil ao ensino médio, passando pelo ensino fundamental. Por isso, o BCN poderá propiciar mudanças profundas.

ALTERAÇÃO NO ENSINO MÉDIO

O rascunho abre possibilidade, por exemplo, para “itinerários” diferenciados para os alunos do ensino médio. Ou seja, o estudante poderia escolher entre se concentrar em disciplinas ligadas em ciências da natureza ou humanas.

— Esperamos que, a partir do debate sobre a base, saia uma proposição que viabilize uma oferta no ensino médio mais diferenciada e a possibilidade de escolha por parte dos estudantes das áreas em que pretendem se aprofundar — explicou o secretário de Educação Básica do MEC, Manuel Palacios, durante a entrevista coletiva que ocorreu ontem, em Brasília.

O MEC considera, porém, que essa possível mudança no segmento final da educação básica precisaria ser bem pactuada com os governos estaduais, que são os principais responsáveis pelo ensino médio no Brasil, para que a proposta dê certo. Atualmente, o ensino médio é visto como um gargalo, devido a seu alto índice de evasão.

O ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, destacou, durante a apresentação do BCN, duas principais consequências do currículo: formação mais adequada de professores, que passarão a ter o documento como referência, e novos materiais didáticos:

— Obviamente não temos recursos hoje, mas temos que ter no horizonte a gradual adoção de um sistema de material didático que seja o que hoje chamamos de tablet. Estou falando em tablet hoje, porque sabe-se lá como estará a tecnologia daqui a dois ou três anos.

Janine reafirmou que a base deverá estabelecer, em média, 60% de conteúdo fixo e deixar 40% livre para estados e municípios trabalharem temas regionais e propostas pedagógicas individuais. Porém,a divisão poderá ser diferente em determinadas disciplinas. Em matemática, por exemplo, o percentual poderá ser maior. O documento foi elaborado por 116 especialistas de áreas diferentes.

‘PROPOSTA ABERTA AO DEBATE’

O conteúdo da proposta foi dividido em quatro áreas de conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Dentro de cada área, estão agrupadas as diferentes disciplinas. Cada disciplina tem um longo conteúdo descrito, de acordo com o segmento da educação. Porém, o “capítulo” que estipularia as bases para o ensino de História não foi divulgado. Durante a coletiva, na tarde de ontem, o MEC não abordou a ausência. Horas mais tarde, O GLOBO indagou o MEC sobre o assunto, e o ministério se limitou a responder que “ajustes ainda serão feitos” e que esta parte do BCN será detalhada na semana que vem.

Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, o texto não dá devida importância a temas contemporâneos, como direitos humanos e diversidades culturais e de gênero.

— A base ainda é muito tímida em relação à demandas do século XXI — opina ele. — Mas podemos dizer que organizou aquilo que já temos nas escolas. Isto é bom. O mais positivo em todo esse processo é que existe uma proposta aberta ao debate. A comunidade educacional e todos os interessados precisam se mobilizar para que as melhorias sejam feitas.

Para a pesquisadora Paula Louzano, da Universidade de São Paulo (USP), ainda falta coerência ao documento.

— Na parte de Linguagens, eles apresentam os eixos, mas depois constroem o documento com outras habilidades. Falta clareza — afirma Paula que também defende a base— Não existe nenhum país do mundo que não tenha um documento norteador na educação mas tem que ver a qualidade deste documento.

O presidente do Instituto Alfa e Beto (IAB), João Batista Oliveira, chamou atenção para a alfabetização.

— Não encontrei menção à caligrafia, embora existam evidências de que o ensino dessa técnica seja fundamental para que os estudantes ganhem fluência e agilidade ao escrever — afirma Oliveira, para quem o texto ainda precisa ser melhor fundamentado.

Para a diretora-executiva do Movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, também é importante o documento deixar claro o que deve ser feito com o espaço reservado à regionalização.

— É preciso apontar diretrizes para que esses 60% não virem 100%. Se não houver uma orientação mais específica quanto a isso, essa será a tendência.

Segundo ela, a transversalidade das disciplinas também deveria ter uma abordagem mais especifica:

— Faltou mostrar como aquelas disciplinas colocadas em capítulos diferentes conversam entre si.

Já a superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Anna Helena Altenfelder, sentiu falta do detalhamento das especificidades relacionadas às séries finais do ensino fundamental.

— Nessa fase, é muito importante que sejam trabalhados a conquista da autonomia dos alunos e o mergulho no universo discursivo de cada uma das disciplinas. É o caso de aprenderem a ler gráficos e mapas. Isso é importante para que sejam capazes de buscar o conhecimento por conta própria. É papel da escola ensiná-los.

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