Nota de falecimento

Caras e Caros,

Ontem, foi um dia muito difícil para quem vive neste mundo do livro didático. Tivemos a perda da Beatriz Elias, editora de muitas histórias em lugares como a Scipione e a Moderna.

Nos deixou também o Hélio Garcia, um dos autores mais conhecidos de Geografia e um dos membros mais queridos e atuantes da Abrale.

Tempos difíceis, de tantas perdas e incertezas. Mais do que nunca, precisamos relembrar quem somos, reafirmar nossos valores e lugar neste mundo, para que os esquecimentos não deixem tudo ainda mais difícil, para todos.

Nesta busca por felicidade e alegria, dois depoimentos emocionantes do José de Nicola e do Gilberto Cotrim sobre o privilégio da convivência com o Hélio:

 

“No último domingo, 3 de maio, morreu subitamente nosso amigo Helio Garcia. Em várias gestões da ABRALE, ele foi diretor dessa associação e defensor das nossas causas. Como professor de Geografia, lecionou em instituições relevantes e foi autor de diversas obras consagradas, publicadas por diferentes editoras.

Além do profissional competente, Hélio foi um dos nossos mais queridos amigos. Era uma figura brilhante que tinha múltiplos interesses intelectuais tão diversos quanto a literatura, a astronomia e a música brasileira. Era apaixonado pelo futebol em que manifestava suas lealdades folclóricas de vascaíno doente.

Filho de um velho comunista, do antigo Partidão, herdou dele o senso de justiça social, mas amava a liberdade de expressão e o convívio democrático.

Entre seus escritores preferidos, destacava-se Machado de Assis e Nelson Rodrigues. Deles recebeu e transfigurou de forma singular o humor irreverente e a ironia demolidora. Apesar da sua alegria e generosidade, Hélio não suportava a pieguice e a massificação do lugar comum.

Fez do humor instigante uma forma frequente de expressão da sua inteligência vivaz e sua incrível presença de espírito. Era metódico, persistente e um estudioso racional. Mas quem o conhecia, intimamente, sabia da prevalência do seu lado afetivo , que lhe conferia uma alegria de criança.

Entusiasta, morreu do motivo que guiou sua vida: o coração.”

Gilberto Cotrim

 

“Conheci o Hélio em 1969 ou 1970, não tenho certeza. Mas era na época em que cursava Geografia e dividia minhas aulas em cursinhos entre a Literatura e a Geografia. O Hélio, por conta de sua formação, encantava os alunos discorrendo sobre geografia econômica, com a OPEP e as crises de petróleo, com as variáveis de natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo nos países subdesenvolvidos, mas fugia dos planaltos, planícies, bacias hidrográficas e climas semiáridos… e muitas vezes entrei em suas turmas para completar o programa de geografia física. Logo abandonei a bigamia e fiquei só com a Literatura e, por conta disso, perdi o contato com o Hélio por algum tempo.

No início dos anos 90, reencontro o Hélio, agora formando dupla com o Tito, com quem também tinha trabalhado, lançando livro pela Scipione. A partir daí, nosso convívio se estreitou, e viajamos muito por esses brasis numa época em que a editora investia pesado em divulgação, e discutimos muito o mundo dos livros didáticos fazendo parte da Abrale. Ao longo dos 28 anos de lutas da Abrale, Hélio nunca se omitiu, sempre dando suas opiniões e, em inúmeras oportunidades, fazendo parte da diretoria. Tanto nas reuniões na editora como na Abrale, a grande marca do Hélio sempre foi o seu jeito muito peculiar de se posicionar, iniciando sua fala como quem conta uma história, com um ligeiro modo acariocado, soltando sutis e bem-humoradas ironias, até chegar ao ponto central de seu questionamento.

Fora das reuniões, era sempre garantia de papos recheados de risadas, seja para defender o cambaleante brizolismo, o indefensável Eurico Miranda… sabia rir dos outros como sabia rir de si mesmo. Hoje estamos mais pobres, perdemos um grande companheiro. A doída saudade só é amenizada por imaginar que o Hélio já está sentado com o Tito pensando um novo livro e, nas horas vagas, discutindo a redenção do Vasco com o Aldir Blanc. O lado de cá está mais triste.   O lado de lá, mais divertido.” 

José de Nicola

 

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