Piketty: “A Educação, sozinha, não reduz a desigualdade”

Fonte: Revista Época – 26 de novembro de 2014

O economista francês disse ontem na USP que são necessários impostos progressivos e boas política salariais para evitar a concentração excessiva
Thomas Piketty, o economista mais comentado da atualidade, disse esta tarde, durante um debate na Faculdade de Economia e Administração da USP, que o investimento em educação sozinho não é suficiente para reduzir a desigualdade de renda. “É preciso a ação combinada de um conjunto de fatores”, disse o acadêmico francês, autor do livro O capital no século XXI, lançado no Brasil pela editora Intrínseca. “Além do acesso à educação, é importante ter um sistema de impostos progressivos e boas políticas salariais.”

Ele usou o exemplo do Brasil para pedir mais transparências dos governos e acesso aos dados sobre os impostos. Mostrou que os estudos da PNAD, realizados com entrevistas a domicílio, mostram uma forte queda da desigualdade, mas que outros estudos, realizados com dados da receita federal, sugerem que os 10% mais ricos concentram mais de 50% da renda nacional – e que esse percentual está subindo acentuadamente, ao contráriodo que diz a PNDA. “Qual é a verdade?”, disse Piketty. “A única maneira de descobrir é tendo acesso aos dados dos impostos coletados pelo governo”.

Piketty, que chegou ao Brasil na manhã desta quarta-feira, vindo do França, falou em inglês – com forte sotaque francês, pelo qual se desculpou – para um auditório lotado de estudantes, acadêmicos e jornalistas. Ao seu lado, como mediadores, estavam os economistas André Lara Rezende e Paulo Guedes. O encontro, promovido pela editora Intrínseca e por ÉPOCA, foi coordenado pela professora Fernanda Estevan, da Faculdade de Economia e Administração.

Durante 45 minutos, Piketty explicou a essência do seu livro: um estudo sobre o crescimento, renda e propriedade, que envolve 20 países e recua, em alguns casos, até 300 anos. Desse vasto e inédito painel, ele e seu grupo extraíram algumas conclusões.

A primeira é que a distribuição de riqueza e de renda, que havia melhorado acentuadamente entre o fim da Segunda Guerra até o final dos anos 1970, voltou a piorar no mundo inteiro depois disso. Atualmente, ela se encontra nos Estados Unidos em patamares semelhantes aos do final do século XIX, quando os 10% mais ricos da população detinham cerca de 50% da renda.

“Nessa situação, dois terços dos ganhos do crescimento econômico vão para os 10% mais ricos da população”, afirma Piketty. “Isso contribui para a fragilidade do sistema social e financeiro.”

A segunda conclusão do livro é que o movimento de concentração não será revertido espontaneamente. Piketty afirma que nos EUA as deficiência educacionais (que excluem os mais, pobres das melhores universidades) e desvios nas formas de remuneração das empresas (que, nos altos escalões, são muitos elevados, sem guardar relação com o desempenho) expplicamo aumento da desigualdade de renda.

A grande preocupação dele, entretanto, é com a concentração de riqueza, que está se acentuando por causa dos mecanismos financeiros de remuneração (que permitem que a fortuna de um bilionário cresce 3 ou 4 vezes mais rápido que o crescimento da economia) e da ausência de impostos progressivos sobre o capital financeiro e imobiliário. “Uma pessoa que tenha um apartamento em hipoteca paga o mesmo tipo de imposto que uma pessoa que tenha uma fortuna pessoal de centenas de milhões de dólares”, diz Piketty.

Para evitar o retorno ao que ele chama de “sociedades patrimonialistas” do século XIX, que gozavam de baixo crescimento e ofereciam poucas oportunidades de ascensão pessoal, ele propõe a aplicação de impostos progressivos sobre a propriedade, a fortuna e as heranças em todos os países. Isso ajudaria, segundo ele, a evitar a concentração excessiva de privilégios, sem prejudicar o crescimento. “Não precisamos da concentração de renda do século XIX para obter o crescimento no século XXI”, diz Piketty.

Paulo Guedes, depois de fazer uma longa defesa da globalização e da redistribuição mundial de riqueza que ela provocou, sugeriu a Piketty que olhasse para a situação mundial do ponto de vista de um novo equilíbrio, e não apenas da perda de renda para a maior parte da população da Europa e dos Estados Unidos. Piketty, depois de elogiar os efeitos positivos da globalização, disse que eles “não justificam qualquer nível de desigualdade”. Citou os exemplos da China e da Rússia, onde a desigualdade atingiu níveis alarmantes e pode transformar-se numa grave questão crucial, sobretudo para os jovens.

Quando Lara Resende sugeriu que deveriam ser cobrados impostos sobre o consumo, e não sobre a fortuna, Piketty contou que Bill Gates, o fundador da Microsoft, disse a ele que gostou muito do seu livro, mas que não queria pagar mais impostos. Depois de uma gargalhada no auditório, ele prosseguiu. “Não se pode perguntar aos milionários de que forma eles querem contribuir”, diz Piketty. Doar dinheiro a partidos políticos ou a fundações dirigidas por sua própria mulher não é o mesmo que consumo, mas talvez não sejam a melhor aplicação social da riqueza.

Piketty repetiu o que havia dito a ÉPOCA – que nada tem, filosoficamente, contra a desigualdade, desde que ela contribua para o bem comum, sobretudo melhorando a vida da parcela menos favorecida da sociedade. “Não queremos voltar a ser sociedades pobres e igualitárias, como a China dos anos 1970”, diz ele. Piketty contou que se dedicou a estudar a desigualdade não por inclinação ideológica ou política, mas por ser uma área vital da economia desde o século XIX, à qual faltavam dados históricos confiáveis.

“Minha conclusão, depois de escrever o livro, é que tanto Marx, que previa a acumulação de riqueza infinita nas mãos de poucos, quanto Simon Kuznet, que previa a distribuição automática de renda pela evolução da economia, estavam errados”, diz ele. “Há forças puxando na direção da acumulação e da distribuição. As instituições a nossas escolhas vão determinar qual delas prevalecerá”

 

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