Polêmicas do novo currículo de história serão temas de seminários

Fonte: G1 – 05 de janeiro de 2016
Documento criticado por professores é parte da nova Base Nacional; Associação Nacional de História prepara encontro no fim de fevereiro.

O futuro do ensino de história no Brasil é a principal polêmica na atual fase de elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), conduzida pelo Ministério da Educação (MEC). Em fase de consultas à população, a BNCC é considerada fundamental para reduzir desigualdades na educação no Brasil e países desenvolvidos já organizam o ensino por meio de bases nacionais.

Mas a primeira versão das propostas para a disciplina de história foi questionada, com falhas admitidas até mesmo pelo MEC. Alguns professores e especialistas viram problemas de organização e de falta de conteúdos.

O novo currículo da disciplina e as polêmicas serão debatidos em seminário promovido pela Associação Nacional de História (ANPUH) em fevereiro.

Além do debate promovido de forma independente pela ANPUH com seus especialistas, o MEC também prevê seminários em cada estado para que secretarias estaduais e municipais façam contribuições antes de fechar o documento que será levado para avaliação final e que vai nortear o ensino nas escolas.

Reação dos historiadores
Desde outubro historiadores se levantaram contra o documento apresentado pelo então ministro Renato Janine Ribeiro.
Já como ex-ministro Janine admitiu falhas na proposta. Para ele, a “falta de repertório básico” foi notada já na versão preliminar, mas não foi corrigida satisfatoriamente no texto que atualmente está aberto para consulta pública.

(Clique aqui para baixar o PDF do texto em consulta)
A atual direção do MEC confirma a versão de Janine e ressalta que o papel do ministério foi de condutor do processo e não de autor do texto. E rebate as críticas de especialistas que acusam o governo de privilegiar uma história focada em temas de esquerda e minorias. “Jamais existiu qualquer viés ideológico”, afirmou ao G1 o secretário executivo do MEC, Luiz Cláudio Costa.

“Não tem uma proposta do MEC, tem uma coordenação para que saia a melhor proposta”, disse. “O que não podemos é desqualificar o processo.” Luiz Cláudio lembrou que a BNCC está prevista na lei do Plano Nacional de Educação e que todos os passos do cronograma estão sendo seguidos.

O secretário também reafirma que a primeira versão tinha falhas que levaram até mesmo a travar sua publicação à época do lançamento da proposta preliminar. Entretanto, Luiz Cláudio prevê que o resultado da primeira rodada de debates corrija as principais omissões. Uma delas é que o documento seja mais específico listando temas ausentes já identificados por professores e especialistas.

Construção da base
No ar desde 15 de setembro de 2015, o portal da Base recebeu, até o começo do ano cerca de 9,5 milhões de contribuições. A proposta preliminar foi feita por uma comissão de 116 especialistas de 37 universidades de todas as partes do Brasil.

Entre setembro de 2015 e março de 2016, o governo federal realiza a segunda fase, de consulta pública. Em abril, a segunda versão do documento será divulgada, e serão realizados seminários em todos os estados, para que as secretarias estaduais e municipais deem suas últimas contribuições.

Entre maio e junho, a comissão fará a última versão, que será apresentada, avaliada e votada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). De acordo com MEC, o CNE já tem sido envolvido nas discussões, para que a avaliação do documento pelos conselheiros não seja restrita à fase final. O prazo para que ela esteja pronta é 24 de junho de 2016.

Acadêmicos se movimentam
De acordo com a professora Circe Maria Fernandes Bittencourt, presidente da Associação Nacional de História – Seção São Paulo (ANPUH-SP), grupos regionais da entidade tem se reunido para analisar a BNCC e devem fechar propostas em um seminário nacional previsto para o fim de fevereiro.

No ano passado, associados da ANPUH no Rio de Janeiro chegaram a divulgar notas contra a base, classificando-a de nacionalista e desarticulada.

” (…) apesar das boas intenções da proposta do componente de História na BNCC para o rompimento com uma perspectiva eurocêntrica e quadripartite, não há nada novo e realmente significativo no campo da pesquisa na área sendo incorporado ao documento apresentado. Apenas uma inversão dos parâmetros eurocêntricos por um conhecimento histórico com centralidade em uma História do Brasil. Portanto, a dimensão temporal precisa ser reelaborada e colocada enquanto eixo definidor da área, de forma semelhante ao que ocorre com a proposta de Geografia, que definiu o espaço como seu eixo fundamental”, criticaram os historiadores em nota da seção Rio de Janeiro da ANPUH.

Agora, segundo Circe, o grupo está focado em contribuir com a sua reestruturação e não propriamente com seus eixos. “A gente entende que ela está mal estruturada. Não estamos combatendo os princípios”, afirma Circe Bittencourt.

Apesar das polêmicas, o momento é de otimismo. “É um momento oportuno, queremos que o ensino de história tenha uma mudança”, afirma Circe.

Segundo ela, o diálogo com o MEC tem sido produtivo e recentemente a pasta aceitou a inclusão de representantes da ANPUH na equipe responsável por redigir a proposta de história para a BNCC. “Esperamos que haja uma aceitação”, afirma Circe.

Cronologia e preconceito
A professora Joelza Ester Domingues, historiadora e autora de livros didáticos pela FTD, também critica o fato de o currículo se organizar ignorando o aspecto cronológico da disciplina, além de apresentar um viés ideológico. “Nosso ensino hoje dá uma carga imensa à história europeia. Concordo que há um desequilíbrio. Mas é preciso harmonizar”, afirma Joelza.

“(A base) se orienta por uma única visão de história. Nacionalista, centrada no Brasil, como se não tivesse relações internacionais importantes desde o inicio. Mostra um país forjado sob exploração continua, vitimiza o explorado e demoniza o explorador”, comenta a professora. “É simplista, nacionalista, xenófoba e preconceituosa.”

O historiador Marco Antonio Villa, que escreveu artigo no jornal “O Globo” com o título “A Revolução Cultural do PT” criticando a BNCC, diz que a atual versão do conteúdo de história é panfletária. “É um desserviço. É uma proposta panfletária, anti civilizatória. Há um conjunto de erros, mas o mais grave é que apaga nossa tradição, nossa formação, aquilo que é fundamental para a compreensão do Brasil de hoje”, apontou Villa em entrevista à Globo News.

“História Antiga: não tem Egito, não tem Mesopotâmia, aquilo que nós estudamos, não tem Grécia, Roma. Por exemplo, qual a importância de Grécia e Roma? Democracia ateniense, filosofia grega, (…) todo esse arcabouço que formou o mundo ocidental no campo da religião, da política, da ética, da moral, da história, da literatura, tudo isso é omisso. Apagaram. E colocaram no lugar o que? História da África, o que eles chamam de Ameríndia, uma história indígena mal feita porque exclui, por exemplo, toda a América do Norte, e a questão da Afro América, que a gente não sabe bem o que eles conceituam de Afro América”, afirma Villa.

Alfabetização
O diretor do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves, criticou outra área em entrevista à Globo News. “Acho que trata a alfabetização de forma muito tardia. E a alfabetização é a pedra angular de toda educação. Então nós precisaríamos ter colocado com clareza na educação infantil, especificamente na pré-escola, quais são os direitos de aprendizagem dessas crianças de 4, 5 anos, do ponto de vista da alfabetização. E não esperar que chegue aos seis anos”, afirma.

Sobre história, ele diz que a crítica foi generalizada. “A área de história mereceu uma crítica generalizada de todo o país. Olha muito determinados aspectos da história deixando outros que são fundamentais para dar uma visão sistêmica e complementar aos alunos da educação básica”, disse Neves.

“Precisa organizar melhor a ordem desses conteúdos para que não haja uma dificuldade no processo de ensino e aprendizagem”, defende Neves.

Para a presidente do Todos pela Educação, Priscila Cruz, é importante ressaltar que finalmente há um texto concreto para ser avaliado. “É importante frisar que é um texto preliminar. Ele está ainda em consulta pública, ele não é um texto definitivo. A gente tem que celebrar o fato de que finalmente a gente tem um texto concreto para ser avaliado. Isso era previsto, um monte de gente vai ter crítica porque nenhum texto vai falar exatamente aquilo que cada um prevê. (…) É um momento muito especial que não podemos desperdiçar”, afirma Priscila.

“Tem várias lacunas, várias coisas que precisamos avançar. Mas esse é o texto inicial que foi apresentado pelo MEC para consulta pública. É hora de mais gente se engajar e de fato apontar falhas”, disse. “O que a gente não pode é desperdiçar essa oportunidade.”

Em entrevista ao Jornal Nacional, o diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, diz que vários países discutem e mudam o que ensinar. E que história gera mais polêmica, mas é apenas uma das disciplinas.

“A construção da base nacional não é a visão deste governo. É um documento que está em debate, que vem da sociedade. O debate sobre a história, que seja feito. Não há a menor dúvida de que esse debate precisa que ser feito e que tem uma visão de mundo por trás do currículo de história em qualquer lugar, em qualquer sala de aula, acontece hoje inclusive, mas a necessidade de um currículo é uma coisa que não é uma questão ideológica, é uma questão para a importância de se conseguir avançar em educação”, disse Mizne.

 

 

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