Fonte: UOL Educação – 16 de novembro de 2015
Apesar de portaria do MEC assegurar a transexuais e travestis o direito a serem tratados pelo nome social, violência ainda é uma realidade
Rafaela Damasceno foi uma das primeiras transexuais a entrar em uma universidade pública no Brasil, em 1999. O que parecia uma grande conquista, no entanto, acabou virando pesadelo. Após sofrer discriminação e perseguição em sala de aula, Rafaela, hoje com 39 anos, resolveu abandonar o curso de geografia na Universidade Federal de Goiás (UFG).
“Eu era vista como se fosse um bicho num zoológico. As pessoas iam lá na faculdade que eu estudava, passavam por mim no corredor, chegavam no final do outro corredor e perguntavam: onde é que está a transexual que estuda aqui? . Eu me sentia como um animal. Não parecia ser normal eu estar dentro da universidade”, diz Rafaela que largou os estudos a um ano de se formar.
Ela conta que, à época, ainda não havia conseguido trocar o nome em todos os documentos. Alguns professores se recusavam a chamá-la pelo nome social e outros, simplesmente, “pulavam” o seu nome na hora da lista de chamada. “Havia uma professora que dizia que naquela sala de aula tinha gente que tinha que estar em outro lugar, não na universidade. Tinha que estar no salão de cabeleireiro ou na cozinha de alguém”, comenta.
Hoje, Rafaela estuda para entrar na faculdade de novo e concluir a graduação em geografia. Ela também quer ingressar no mestrado.
O preconceito que Rafaela enfrentou na universidade é vivido cotidianamente por muitos jovens nas escolas brasileiras. Apesar de uma portaria do Ministério da Educação (nº 1.612 de 2011) assegurar a transexuais e travestis o direito a serem tratadas pelo nome social, a violência contra essa população é uma realidade.
Pessoas transexuais são aquelas que não se identificam com o gênero com o qual nasceram. Mulheres trans são pessoas que nasceram com a genitália masculina, mas se reconhecem como mulheres e exigem ser tratadas dessa forma. Homens trans, por sua vez, são aquelas pessoas que tiveram o gênero feminino atribuído na infância, mas se identificam como homens.
“Falta educação escolar para nós. Você tem ideia do que é chegar em uma escola sendo uma mulher transexual e a pessoa da escola dizer que poderia te matricular, mas não garantir a sua integridade? Como é que uma instituição não garante a integridade de um de seus membros, sendo travesti ou sendo qualquer outro tipo de pessoa”, desabafa Aline Marques, presidente da organização não governamental Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais (Gretas), de São Paulo.
Fabiana Melo Oliveira, 32 anos, conta que precisou esconder a identidade durante todo o período escolar. “Venho de uma família católica, muito rígida. Estudei em colégio de padre. Tive que terminar a escola, o ensino fundamental e o médio. Entrei na faculdade de psicologia, mas do segundo para o terceiro período eu tive que sair – foi quando eu não aguentei mais. Tive que mostrar a minha identidade de gênero, quem eu era mesmo”, conta.
Ela lembra que enfrentou resistência por parte dos pais, mas hoje recebe apoio da família. “Somente depois de um ano, de eu começar a fazer hormonoterapia [tratamento com hormônios femininos], de o meu pai ver todo o processo e de eu dizer que queria fazer a cirurgia de transgenitalização [mudança de sexo]. Quando ele me viu depois de um ano e meio, ele falou que eu era a filha mais nova dele.”