G1 – 09/10/2015 – Ana Carolina Moreno – Do G1, em São Paulo
O ex-ministro da Educação e professor de ética e filosofia Renato Janine Ribeiro criticou nesta sexta-feira (9) o trabalho de consultores que elaboraram o novo currículo previsto para a disciplina de história na Base Nacional Comum (BNC).
Segundo Janine, a “falta de repertório básico” em história foi notada já na versão preliminar do documento, que não chegou a ser publicada para consulta pública pelo Ministério da Educação (MEC). Segundo Janine, entre outros pontos, ele deixava de fora das aulas de história temas como a Inconfidência Mineira.
Professor de ética e filosofia da Universidade de São Paulo (USP), Janine foi demitido pela presidente Dilma Rousseff na reforma ministerial anunciada no começo do mês. Em seu lugar assumiu a pasta Aloizio Mercadante, sexto ministro em quatro anos.
Atualmente, as propostas para a Base Nacional Comum (BNC) estão abertas para contribuições de professores por meio de site específico. A meta é que seja aprovada até junho de 2016. O documento preliminar foi lançado em setembro sem o capítulo que trataria da história, o que acabou sendo feito nos dias seguintes.
Falhas na primeira versão
O ex-ministro chegou a fazer um post em seu perfil no Facebook, na quinta-feira (8), no qual afirma que o Ministério da Educação não formulou o conteúdo, e que só o imprimiu com a ressalva de que o conteúdo seria revisto.
“O documento entregue, porém, na sua primeira versão ignorava quase por completo o que não fosse Brasil e África. Pedi que o revissem. (…) Mas o grupo que elaborava a base não entendia assim. Não havia sequência histórica. (…) Queriam partir do presente para ver o passado. No caso do Brasil, por exemplo, propunham a certa altura estudar revoluções com participação de escravos ou índios. E deixavam de lado a Inconfidência Mineira!”, escreveu o ministro.
Na primeira versão do texto publicado e atualmente aberto para contribuições, a Inconfidência, que tem como líder Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi contemplada. A proposta agora para os professores é “inferir, a partir de fontes diversas, as motivações e as consequências” do movimento.
ENTENDA A BASE NACIONAL COMUM |
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O QUE É: A BNC é o documento que detalha o que precisa ser ensinados em matemática, linguagens e ciências da natureza e humanas nas escolas do país. |
PREVISTA EM LEI: A Base Comum está prevista na Constituição, na Lei de Bases da Educação e no Plano Nacional de Educação |
CONTRIBUIÇÕES: Os debates e propostas serão concentrados no portal http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ |
PRAZO: O PNE (Plano Nacional de Educação) estabelece que até junho de 2016 deva ser cumprida a meta de estabelecer uma “proposta de direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento”. A Base Nacional será apresentada como resposta a essa demanda. |
Falta repertório básico
Em entrevista ao G1, o ex-ministro voltou a afirmar que, na sua opinião pessoal, a base curricular da disciplina deixou a desejar no repertório básico. “Fiz questão de deixar claro que a proposta não era oficial do governo, porque ela ia ser acusada pela falta desse repertório básico”, disse Janine.
Procurado pelo G1, o Ministério da Educação disse que o programa curricular foi elaborado por professores de universidades federais, e que não comentaria a publicação feita pelo ex-ministro.
Cronologia do debate
Segundo o filósofo, há muitas controvérsias sobre o que ensinar em história. Mas, no caso do documento apresentado pelos especialistas, o programa não incluiu uma cronologia dos acontecimentos históricos que forjaram as sociedades.
“Não havia História Antiga, não havia História Medieval. No caso do Brasil, o conteúdo partia de fenômenos atuais, como a discriminação racial, e daí partia para a questão da escravidão e dos indígenas. Mas deixava de lado a economia colonial e o que seria uma cronologia. Muitas pessoas discordam dessa visão, porque ela não dá ao aluno o repertório básico para discutir a história”, disse Janine.
“Se o aluno não estudou a Idade Média, o Renascimento, a Colônia, mas apenas estudou esses períodos em função da opressão, fica muito difícil ter depois condições de discutir isso. Por isso que, quando saiu o primeiro projeto deles, eu pedi que fosse reavalidadp, e que eles tentassem algo com repertório com base no conhecimento da história.”
Ressalva
Janine afirmou que, embora tenha pedido alterações, houve muita resistência do grupo de especialistas em implementar mudanças no currículo. “Aceitei a publicação como estava, mas sabendo que depois isso traria problemas. Por isso fizemos questão, quando publicamos a base de história, de lembrar que não era um documento do MEC, mas que era um documento que o MEC disponibilizava, examinado por pessoas externas ao MEC, e que o MEC discutiria”, lembrou ele.
“Pedi que especialistas fossem reunidos para discutir essa base. Dizer se concordavam ou não. Essas são as medidas que eu tomei para que fosse preservada a base e que ela tivesse discussão.”
Para o ex-ministro, o estudo de história mudou muito nas últimas décadas. “Hoje uma história factual não é mais valorizada, como aprender que no ano 1789 houve a Inconfidência
Mineira. Hoje na história se procura mais entender o que foi, e quais são os processos que levaram a um revolta, a uma independência.” Porém, ele diz que o enfoque do ensino deve
mudar, mas os temas não devem ser excluídos do repertório.
“Há pessoas que acham que você não deve estudar a lista de nomes de faraós do Egito. Esse tipo de história já está superado, mas isso não significa que o Egito esteja superado”, afirmou.
No caso do documento apresentado na BNC, Janine diz que é a favor dos novos itens inclusos, como revoltas que são menos conhecidas e que antes não figuraram nos conteúdos ensinados em sala de aula. Mas, de acordo com ele, é preciso oferecer um contexto mais amplo aos estudantes.
“Sou a favor de estudar todo esse elemento revoltoso que sai da história oficial, mas precisa ter uma base pra pessoas ter uma noção e possam inclusive ter uma interpretação.”
Especialistas de cada área
O ex-ministro explicou que, em todas as áreas da BNC, especialistas com experiência dentro da sala de aula foram convidados para elaborar as propostas preliminares que foram lançadas em setembro, e agora recebem contribuições.
“Em cada área foram convidados especialistas, dando particular ênfase às pessoas que estão na sala de aula. Isso foi muito importante, para não impor de cima pra baixo uma regra para todo o sistema educacional, mas partir de pessoas que têm experiências com os alunos.”
A palavra final, porém, será do Conselho Nacional de Educação (CNE), que deve aprovar a proposta final da BNC em 2016.