O Globo – POR RAPHAEL KAPA – 23/02/2015
Preferência nacional é por aulas gratuitas; Brasil já é o quarto país com mais usuários da plataforma internacional Coursera
RIO — Quando a estudante universitária Monica Aragão, de 28 anos, teve um filho, ficou cada vez mais difícil conciliar as aulas com a maternidade. Os atrasos se tornaram constantes e o tempo para estudar não poderia ser mais o determinado pela faculdade. Foi neste momento que a moradora de Marechal Hermes, zona Norte do Rio, começou a utilizar sites de cursos on-line e passou a assistir aulas com professores das mais diferentes instituições, desde a Universidade de São Paulo (USP) até a americana Harvard.
— Sempre fui contra disciplinas on-line porque acho fundamental a presença do professor, mas passei a ver que é algo que complementa. Com as limitações de horário que tenho desde que virei mãe, eu agora posso ver a aula, parar e voltar quantas vezes eu quiser até entender a matéria — afirma Monica, que começou utilizando as plataformas para eliminar horas obrigatórias na faculdade de Administração, que frequenta, mas, por ter gostado da experiência, acabou fazendo outros cursos. — Já fiz “Gestão de Recursos Humanos”, “Nova reforma ortográfica”, “Liderança e coaching” e “Inglês”.
Em meio ao debate sobre a validade destas novas plataformas de ensino, os cursos on-line tiveram uma expansão no mercado brasileiro, chamando a atenção das principais empresas do setor. O Coursera, principal página de aulas pela web no mundo, já conta com mais de 400 mil usuários brasileiros, o que fez com que o país passasse o Reino Unido no número de inscritos no site. O Brasil fica em quarto lugar na lista, somente atrás de China, Estados Unidos e Índia. A grande presença nacional num site que não tem aulas em Português levou a página a investir mais em traduções. Além disso, o grupo passou a fazer parceria com a USP e a Unicamp para criar cursos voltados a professores brasileiros, que devem entrar no ar nos próximos meses.
— Cerca de 50% dos brasileiros que fazem o Coursera querem ganhar novas habilidades para suas carreiras — afirma Daphne Koller, presidente da empresa. — De fato, os brasileiros são três vezes mais propensos que os chineses e duas vezes mais que os americanos a conseguir as certificações emitidas pelo site, para mostrar publicamente o ganho que obtiveram.
PLATAFORMA NACIONAL EM ALTA
O crescimento não é pontual. Na plataforma Novo Ed, que reúne aulas da universidade americana de Stanford, o público brasileiro ocupa o terceiro lugar. Já no site Udacity, que reúne aulas de diversas faculdades dos Estados Unidos, os brasileiros disputam, mensalmente, a colocação entre os três principais países que usam a plataforma.
— O Brasil é um mercado estratégico para nós. Estamos concentrados em melhorar e expandir nossos esforços para atender os alunos brasileiros — afirmou a consultora da Udacity, Shernaz Daver.
Em meio à concorrência de sites do exterior, foi um site brasileiro que teve o maior crescimento nos últimos anos. O Veduca começou, em 2012, com cursos estrangeiros e atingiu 50 mil estudantes naquele ano. Dois anos depois, o grupo passou a fazer parcerias com diferentes instituições brasileiras, com o Google e com a Bovespa para empreender os mais variados tipo de curso. O resultado: 650 mil usuários em dezembro passado — um deles justamente Monica. Carlos Souza, diretor executivo do grupo, afirma que o motivo que a fez procurar o site é o principal entre os brasileiros:
— Num levantamento que fizemos, vimos que as pessoas nos procuram, primeiro, porque é de graça — explica Souza. — Em segundo lugar, elas querem fazer o curso no seu próprio ritmo e, em terceiro, consideram a qualidade do material. O fato de ser gratuito atrai muito e, no fim, as pessoas acabam querendo pagar pelo certificado.
Um outro aspecto dos cursos pela internet é que eles não são utilizados somente de forma individual. Muitos já foram incorporados dentro da realidade das escolas como forma de complementar a educação.
— Pesquisas já mostram que a maneira mais efetiva de ensino é combinar o presencial e o on-line. O aproveitamento é bem maior com o uso otimizado do tempo de estudo — afirma Souza.
Foi desta forma que o colégio D’Incao, em Bauru, passou a utilizar o iTunesU, aplicativo de educação da Apple, em suas aulas. Os diretores da instituição enfatizam, no entanto, que a tecnologia surge como um instrumento para o professor e que nunca irá substituí-lo.
— A plataforma apoia o aluno sem retirar a presença do professor. É impossível garantir a qualidade de um curso sem a mediação. A sala de aula é o ambiente em que se garante o efetivo desenvolvimento do aluno e do conteúdo, e a tecnologia é uma ferramenta que torna este local mais atrativo e interativo — afirma o diretor Pedro D’Incao.
NECESSIDADE DE ADAPTAÇÃO
Porém, enquanto o Brasil vive um crescimento destes cursos, os Estados Unidos passam a rever a metodologia. John Henessy, presidente de Stanford e um dos mais conhecidos pesquisadores sobre o assunto, critica as plataformas por não serem atrativas o suficiente. Em estudo veiculado no ano passado, o professor afirma que menos da metade dos alunos que se inscrevem no curso terminam de assistir à primeira aula.
— Quando surgiram em 2011, os cursos on-line eram vistos como verdadeira revolução no ensino. Hoje, já conseguimos compreender que se trata de uma onda que tem que ser adaptada. Nada substituiu o professor, mas muitas coisas podem ajudá-lo. As chances de um aluno se interessar por uma aula on-line são muito maiores se ele tem uma empatia por aquele tema de alguma forma presencial — afirma Joana Sampaio, especialista em Educação Básica pela Universidade Federal Fluminense (UFF).