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Entendida por muitos como uma carta de garantia de direitos de aprendizado para crianças e adolescentes brasileiros, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)de Matemática traz também alguma influência do Pisa. O Brasil não é o único país do mundo em que políticas públicas para a educação são afetadas pelo ranqueamento. A influência é controversa e divide a opinião dos professores
A BNCC de Matemática, seja a do Ensino Médio – que ainda não está pronta –, seja a do Ensino Fundamental – que saiu recentemente –, foi um dos alvos de debate e escrutínio no 4º Fórum Nacional sobre Currículos de Matemática, na Universidade de São Paulo. Considerada em parte uma carta de direitos de aprendizado, que entra para a história como um compromisso do Estado com o ensino de conteúdos específicos, e em parte um mecanismo de controle dos professores e das escolas, a BNCC de Matemática sofre influência de avaliações internacionais padronizadas, principalmente do Pisa, que, além da avaliação do aprendizado de alunos de 15 anos em diversos países, presta-se ao estudo estatístico de desempenho das redes de ensino.
Lole de Freitas, matemática e professora do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, afirma que é possível observar uma forte relação entre os objetivos de aprendizagem da BNCC e as avaliações unificadas: “Fica-se com a impressão de que as habilidades que estão na base de Matemática são descrições de itens de avaliação em larga escala”. Ela lembra que não há consenso entre matemáticos, professores e governo sobre a BNCC. As principais dúvidas que cercam a polêmica consistem em saber se a BNCC satisfaz ao Plano Nacional de Educação e se há um movimento do governo para retirar o Ensino Médio da educação básica.
Provas orientam currículos: não é de agora
Avaliações em larga escala sempre influenciaram o que é ensinado na escola. Nos colégios particulares de São Paulo, por exemplo, os vestibulares da USP e Unicamp influenciam o que é ensinado no Ensino Médio. Há uma pressão dos alunos e das famílias nesse sentido. No entanto, há alguns elementos novos na atual situação. O primeiro é a avaliação realizada fora do território nacional por agentes políticos e econômicos, cujo projeto não considera o desenvolvimento brasileiro, que influencia a BNCC de nossos alunos.
Uma das consequências da influência do Banco Mundial nos sistemas de ensino no mundo afora está nos negócios. Países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) gastam em média 6% de seu PIB em educação. É uma enorme soma de dinheiro, na casa de bilhões de dólares. Antônio José Lopes (UFMG) alerta: “Não podemos transpor a realidade da Austrália para o Brasil”, afirma, e muito menos demonizar professores e comunidades por não alcançarem os resultados esperados. Em seus relatórios, a OCDE leva em conta a situação socioeconômica dos alunos, mas não inclui estudos sobre fatores como violência na comunidade em que vivem os adolescentes, que afetam o desenvolvimento cognitivo, de acordo com diversos estudos da neurociência. Já Maria Luiza Sussekind (Unirio) fala como o Common Core nos Estados Unidos não melhorou a educação naquele país do dia para a noite, o mesmo vai acontecer com a BNCC no Brasil. Maria Luiza questiona também a orientação de políticas públicas baseada em provas de questões de múltipla escolha. Para que se saia bem nesse tipo de avaliação, o aluno precisa inevitavelmente treinar, pois esse formato de prova traz apenas uma resposta correta, muito diferente do que acontece na vida e na ciência. “Posso partir da igualdade: quero que todos leiam o mesmo texto. Mas só vou produzir alteridade se valorizar resultados diferentes”, reflete ela.